História da Arte Potiguar: Teatro (parte 1)
Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares
Segundo Cascudo, o registro mais antigo da arte dramática no Rio Grande do Norte é de 1814, quando Henry Koster, em seu diário de viagem, conta que se apresentavam pela cidade comédias por atores mambenbes. Estas companhias deviam viajar entre as cidades apresentando as suas peças nas praças. Porém somente em 1841 se instituem as primeiras Casas de Teatro, a mais antiga era um barracão de palha, que pertencia a Sociedade do Teatro Natalense, cujo presidente era Matias Carlos de Vasconcelos Monteiro. Ela ficava do lado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, tinha lugar para trezentos assentos. Os jornais do período elogiavam a iniciativa, dizendo que as peças eram distrações proveitosas, porém é através deles também que sabemos que, em 1853, “o gênio da perversidade e malvadeza deitou fogo ao edifício e foram pelas chamas devoradas todas as benfeitorias”. A Sociedade pediu ajuda ao governo para se reerguer, mas foi-lhe negada.
Os motivos do criminoso incêndio podem passar pelo atrevimento de uma atriz. Da primeira atriz potiguar. Maria Epifânia de Oliveira subira ao palco três anos antes do incêndio, pela Sociedade Recreativa Juventil (1850-1862), causando escândalo na cidade. Durante dez anos das peças teatrais do grupo de Matias Carlos, sempre homens interpretavam papeis femininos e masculinos. Apesar de não termos registros, também devemos imaginar que a plateia era composta apenas por homens também. Quando Epifânia começou a atuar, a sociedade chocou-se com este “despudor”.
Porém, depois do fogo, em 1854, um novo teatro potiguar abrira, de um outro grupo com o nome de Sociedade Teatral Apolo Norte-riograndense (1854-1855). Alugou-se uma casa ao negociante português Manoel dos Santos Martins Romano. A casa ficava onde está o atual Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Cada sócio pagava mil réis, garantindo assim as cadeiras para seus familiares. Foi neste teatro, segundo Câmara Cascudo, que Lourival Açucena, apresentou sua famosa interpretação do Capitão Lourival, em O Desertor Francês, que lhe garantiu um apelido para a vida toda. Dois títulos também temos como registro, porém sem informações sobre seus enredos: O Noviço e Amor de um Padre, que seriam peças escritas por Antônio Xavier Ferreira de Azevedo.
A esta seguiram a Sociedade Teatral Tália Natalense (1856), que apesar de aparecer na documentação histórica recebendo apoio de duzentos mil réis. também parece ter se extinguido no ano seguinte. Em 1868, funda-se a Sociedade Dramática Natalense, que só dura dois anos, porém em dezembro apresentou com grande sucesso a peça Camila, peça de Camilo Frederici, que ganhara versão para o português em 1833. Os jovens a apresentaram ao ar livre, no sítío do padre Bartolomeu Fagundes de Vasconcelos, no Bairro Vermelho. Na peça eles se vestiram apenas com folhas e flores, inclusive sua única atriz, Maria Epifânia, que ironicamente não fazia o personagem principal, reservado a Pedro Lourival, filho de Lourival Açucena. Foram aplaudidos grandemente segundo a crítica nos jornais.
“O sítio do Padre Memeuzinho encheu-se de cadeiras, bancos e tamboretes. Ergueram um palco. Espalharam lâmpadas de querosene, amarradas às árvores. O mundo oficial, sisudo e pausado, compareceu. O Presidente Manuel José Marinho da Cunha já estava beirando o palco antes da hora. Dr. Caetano Estelita Cavalcanti Pessoa, Chefe de Polícia não perdeu. O povo aglomerava-se, enchendo-se de rumor e vida ao arrabalde triste. O espetáculo começou às oito e meia. Minutos antes descobriram que não havia música, fíate daqui, bate da coió, José Macabeu de Vasconcelos lembrou-se que linha um realejo-de-corda. Correu para casa e trouxe o instrumento. Deu-lhe corda e o realejo espalhou as doces melodias serenas na noite tropical e divina” (CASCUDO, 1939).
Os desertores da Tália e da Sociedade Dramática ainda se reuniriam sobre a proteção de Joaquim Fagundes. Neste grupo que durou de 1870 a 1874, uma nova atriz despontou: Honória dos Santos. E logo tornou-se musa de Joaquim Fagundes, que passou a escrever suas peças para ela (como Vieira de Castro). Muitas críticas foram feitas a este posicionamento de Fagundes, chamavam-no de arrogante e aproveitador, por escrever as peças para sua musa e dar o herói sempre para si mesmo.
Diz Cascudo: “muitos anos se passaram com as funções teatrais de amadores e os raros conjuntos profissionais que se aventuravam a ficar uns dias no Natal, trabalhando em casas alugadas, com um esforço adaptacional de incrível obstinação” (CASCUDO, 1999). Ângela Melo registra a existência de pelo menos dois teatros na Ribeira, o Recreio Natalense e o Voo Dramático, que eram mantidos por negociantes e moços das boas famílias da cidade. Nestes, temos o registro da Companhia Peixoto, em 1861, que encenou o drama Dom João de Alecastro e levou toda gente as lágrimas. Em 1864 quatro franceses não agradaram com seu espetáculo de mímicas. No ano seguinte, a companhia de Francisco Xavier dos Santos ficou bastante tempo na cidade apresentando a comédia Barão de Paragará; O Holandês ou Parar o Mal Que Não Fez, um grande sucesso; e O Fantasma Branco, de Joaquim Manoel de Macedo. Luís Carlos Xavier ofereceu sua comédia “A Louca ou O Riso da Dor” para a companhia que a montou, causando grande alvoroço na cidade. Era a primeira vez que um autor potiguar seria montado por uma companhia profissional.
Em 1860, a Assembleia Legislativa Provincial aprovou um projeto que autorizava o presidente da província a despender a quantia de quatro mil réis para a construção de um teatro. O projeto não andou. Afirmavam não haver dinheiro nos tesouro público para tal obra. Contudo, em 1880, um particular assumiu o desafio. Recebendo vantagens públicas, o comerciante João Crisóstomo de Oliveira abriu mais um teatro na cidade. Ficava na Rua João Pessoa e chamava-se Teatro Santa Cruz. Seu benfeitor não construíra o prédio para explorar os ingressos, mas como um presente para a população inteira, e, afirma Cascudo, que só assim mesmo para ele estar aberto, pois nenhum lucro compensava as despesas de manutenção de tal empreendimento. As companhias profissionais eram raras, os atores amadores obtinham gratuidade. E assim tornou-se o orgulho da cidade, e centro social tão importante quanto a Igreja, que até mesmo as mulheres (se acompanhadas de seus pais e maridos) estavam autorizadas a frequentar.
Arquitetonicamente, era um teatro primitivo. Quatro portas ogivais (indicando que a construção era em estilo eclético) abriam para a Rua João Pessoa, que davam para um saguão, nele duas escadas laterais levavam para os camarotes, no térreo seguiam-se as cadeiras. Contudo, em 1894, uma tempestade violenta atingiu o Rio Grande do Norte. Casas desmoronaram com a força das águas, e o teatro não resistiu.
Apresentaram-se no Teatro Santa Cruz , em 1872, a companhia pernambucana de José de Lima Penante, com a tragédia Cinismo, Ceticismo e Crença, e o drama Abençoadas Lágrimas, ambos de Camilo Castelo Branco. Eles retornaram em 1886 com o drama abolicionista, Cabana do Pai Tomás, de Beecher Stower, que causou grande comoção no teatro. Eles retornaram nos anos seguintes com a peça Tomada da Bastilha, Lenço Branco, Poder do Ouro e Mãe, todas peças que evocavam questões políticas.
Sem seu grande teatro, a população continuou improvisando. Especialmente na Ribeira. Os galpões da atual Rua Chile eram facilmente adaptados para apresentações cobrando caro do público (os ingressos chegavam a ser vendidos por 2 mil réis - com o dobro disto, quarenta anos antes se faria um teatro). Henrique Castriciano, Segundo Wanderley e Luís Carlos Wanderley estrearam suas peças na Ribeira, compartilhando o palco com transformistas, shows de mágica e de música. O longo drama Os Anjos do Amor, de Luís Carlos Wanderley estreou em 1884; Brasileiros e Portugueses, de Segundo Wanderley, estreia em 1897. Um grupo que merece destaque é a Companhia Ferreira da Silva, que em 1900, trouxe o teatro de D’Ennery e de Alexandre Dumas para a Ribeira. Sua prima donna, Lúcia Fernandes, causou profundo impacto nos homens potiguares. Grupos amadores continuavam apresentando suas peças gratuitamente nos teatros improvisados.
Em 1898, um novo teatro começou a ser construído, agora público, tinha projeto de José de Berredo, e decoração de Herculano Ramos, cenografia de Sam Jey, tendo como auxiliares Teixeira da Cunha e Lustosa , e iluminação de Domingos de Barros, usando a mão de obra dos fugitivos da seca que se amontoavam na cidade. Inaugurou-se em 1904 o Teatro Carlos Gomes (que mais tarde virou Alberto Maranhão). A apresentação foi voltada para os retirantes, a banda da polícia tocou; crianças declamaram uma cena em versos, de Henrique Castriciano, A Promessa, sob direção de Segundo Wanderley. O ator Deolindo Lima interpretou um monólogo de Arthur Azevedo. A orquestra do teatro, com o maestro Luigi Smido, estreou acompanhando o barítono Comoletti que cantou O Guarani, de Carlos Gomes; e a ária do Fígaro do Barbeiro de Sevilha. O camarote foi vendido a 25 réis, a cadeira foi vendida a 3 mil réis.
A música se torna, na primeira década do Alberto Maranhão, seu evento mais predominante. Cantores como o português J. Paulo, em 1905, comentado pela sua graça e naturalidade; Cardoso da Mota, em 1906; Germano Alves, em 1907; Ângela Pinto, em 1909; e Francisco Santos, em 1910. O Jornal Diário de Natal faz uma crítica a um dos espetáculos do teatro:
“Chegou a esta capital, anteontem, uma Companhia que vem trabalhar alguns dias no Teatro Carlos Gomes. O seu trabalho é de mágicas, excentricidades, originalidades, variedades, extravagâncias e paradoxo. A Companhia era composta pelo sr. Martinez, o director Salvador Vigilante, a aplaudida bailarina e cançonetista Maria La Bonita, Lino Ribas e outros artistas. Esses artistas têm grande nomeada onde tem trabalhado, não só no Brasil, como na Europa” (22/09/1904)
““Hoje a companhia de excentricidades e originalidades dará o seu segundo espetáculo, oferecendo ao nosso público uma representação variadíssima dos mais importantes trabalhos” (02/10/1904)
“Como no primeiro, o desempenho do trabalho foi completo e despertou muitos aplausos da plateia. A artista Maria La Bonita nos bailados espanhóis esteve impagável e foi devidamente apreciada, e com justiça. O grupo do sr. Vigilante é credor do favor público natalense, que aliás, desta vez, parece que não se tem manifestado, como de costume, sempre pronto apreciador do bom trabalho artístico” (05/10/1904)
Novas companhias teatrais profissionais surgiram. Em 1906, a Companhia Dramática Cardozo da Motta representou o drama Amor e Ciúme, o mais famoso texto de Segundo Wanderley, com Clementina de Jesus atuando como Ester. Em 1907, Segundo Wanderley estreou seu musical "Natal em Camisa”, com músicas de José Borrajo, pela Companhia Germano Alves, que tinha Apolônia Pinto como primeira atriz e cenários projetados pelo arquiteto Herculano Ramos. A peça era uma sátira das figuras tradicionais da cidade, e aborreceu muitos poderosos, mas o público a amou tanto que ela foi encenada várias vezes.
Em 1910, uma nova reforma, feita pelo governador Alberto Maranhão, ampliou o prédio, com projeto de Herculano Ramos, e em 1912, ele foi reinaugurado com a Gran Campaña Española de Zarzuela, Opera e Opereta, com a montagem da opereta Princesa dos Dólares, de Leo Fall. O impacto da companhia espanhola, faz com que o canto lírico, especialmente a ópera, fizesse agora mais sucesso. Por isso um mês depois da inauguração a Companhia de Ópera Pablo López monta para os ouvidos natalenses a Cavaleria Rusticana, de Pietro Masgagni; a mesma companhia apresenta alguns anos depois, La Bohéme de Giacomo Puccini, e La Traviata, de Giuseppe Verdi.
O segundo teatro público a ser construído em Natal só nasce em 1962, o Sandoval Wanderley, no Alecrim, por isso as associações estudantis de teatro, como o Ginásio Dramático, criado em 1913, pelo prof. Francisco Ivo Cavalcanti, funcionou até 1939 sempre nas dependências do Teatro Alberto Maranhão. Ângela Melo afirma que estes foram um dos grupos mais profícuos no Rio Grande do Norte, apresentando quinze dramas, nove comédias e nove musicais. O mesmo se deu com o Grêmio Dramático de Natal, criado em 1939, por Sandoval Wanderley, e que funcionou até 1945.
Para Saber Mais:
Ângela Melo. Um século de contribuições para a história do teatro na cidade do Natal: 1840-1940.