História da Arte Potiguar: Teatro (parte 2)

Luís Carlos Lins Wanderley

Luís Carlos Lins Wanderley (foto: Academia Norte-riograndense de Letras)

Luís Carlos Lins Wanderley (foto: Academia Norte-riograndense de Letras)

Câmara Cascudo identifica-o como “grande expoente da literatura na Província” (CASCUDO, 1980). Natural da cidade de Assu, nascido no ano de 1831, teria sido o primeiro romancista do Rio Grande do Norte. Com formação na Faculdade de Medicina na Bahia (1857) e desempenhando a função de médico no Hospital da Caridade na urbe potigua, ele também ocupou importantes cargos políticos no Rio Grande do Norte, entre eles: comendador, vice-presidente da Província e deputado estadual da Assembleia Legislativa (1890). Em 1873, publicou o primeiro volume de o romance Mistérios de um Homem Rico, contudo, como dissemos antes, este gênero literário não era considerado de muito valor entre os intelectuais potiguares. É por isso que o romancista também era poeta e teatrólogo. Publicou os livros de poemas Ode a Mulher e a Rosa e Lira do Amor; mas seu foco eram suas peças teatrais como A Queda de Lusbel, um drama anti-jesuíta; A loucura ou o Riso da Dor, um drama que estreou em 1865; O Anjo da Meia Noite, um recitativo cênico, em versos, de 1881; Os Anjos do Amor, um drama em cinco atos, de 1884; A Restituição; O Amor de um anjo e a comédia O Prêmio da Viúva.

Ezequiel Wanderley

Nasceu em Açu, em 1872. Era filho de Luiz Carlos Lins Wanderley e Francisca Lins Wanderley. Era cronista, que escrevia sobre o pseudônimo Juquinha das Mercês, e jornalista colaborando com A Tribuna, A República e o Jornal da Manhã. Publicou o livro Balão de Ensaio, com suas crônicas, em 1919; e a antologia Poetas do Rio Grande do Norte, em 1922. Porém, entre suas produções, é na dramaturgia que encontramos ela mais intensa. Ele escreveu Tia Quitéria, uma comédia que estreou em 1910; Papa Jerimum, um musical que ironizava os costumes potiguares, em 1915; em 1916, ele escreveu A Mortalha das Rosas, uma tragédia, e A Céu Aberto, um musical, junto com Virgílio Trindade, Jorge Fernandes e o maestro Armando Lameira; Ele, Ela e as Outras, um drama lírico, em 1920; A Doentinha, um sainete (um formato comum na ópera espanhola que consistia em peças de um ato), em 1922; É bom que dói, outro musical, em 1924. Ele escreveu ainda A Ceguinha da Aldeia, um cena dramática; A Melindrosa e o Almofadinha, uma farsa cômica; Os Cajus de Papai, uma peça infantil; A República dos Bichos, uma fantasia dramática, que ironizava a sociedade republicana; A Flor do Baile, um drama em três atos; a comédia A Terra Azul do Sonho; e uma tradução de Romeu e Julieta, de Shakespeare.

Francisco Ivo Cavalcanti

Francisco Ivo Cavalcanti (foto: OAB-RN)

Francisco Ivo Cavalcanti (foto: OAB-RN)

Mais conhecido como Ivo Filho, era filho de Ivo Cavalcanti de Andrade e Vitalina Evangelina Cavalcanti. Foi professor primário, e professor na Escola Normal, no Atheneu Norte-riograndense e professor da faculdade de Direito da futura Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Advogado, colaborou com diversos jornais como A República, o Diário de Natal, A Razão e o Jornal do Comércio. Publicou um livro de poesias, em 1906, chamado Crisântemos; um livro de contos, junto a Jorge Fernandes, em 1909, chamado Contos e Troças-Loucuras, e em 1947, publicou Cartas para a Eternidade. Mas é como diretor e dramaturgo que ele se destacou. Ele escreveu muitas comedias como Sônia, um comédia dramática, em 1913; Esses Primos, em 1914; O Motivo, uma comédia de costumes, e O Flagelo, em 1915; Em Apuros, Um Chá Complicado e Sopa no Mel, em 1916; O Jovem e Inovidável, em 1917. Ele também escreveu dramas, como Além, com alta crítica social; O Degenerado, em três atos, em 1916; e Renúncia e Infâmia, em 1940.

Virgílio Trindade

Virgílio Galvão Bezerra de Trindade nasceu em 1887, filho do capitão do exército José Cândido Bezerra da Trindade e Ubaldina Galvão Bezerra da Trindade. Foi jornalista e viveu em Manaus, Amazonas como escrivão no Cartório dos Órfãos, entre 1908 e 1910, e secretário na Secretaria de Segurança entre 1910 e 1918, quando retornou ao Rio Grande do Norte. Ele é considerado um dos grandes humoristas que o teatro potiguar já conheceu. Ele escreveu várias peças, todas eram teatro em revista, o que envolvia números musicais também. Seus musicais icluem: O Anti-Cristo e A Céu Aberto, em colaboração com Jorge Fernandes e Ezequiel Wanderley, em 1914 e 1920, respectivamente; O Ginásio Dramático por Dentro em 1915; On plus, em 1920; Pé Duro, em 1936; À Espera do Bonde, Tipos de Terra e O Homem que Sobrou. Contudo sua obra prima é a comédia Avacalhado, de 1915. Este foi um imenso sucesso apresentada pelo Ginásio Dramático no Teatro Alberto Maranhão.

Jorge Fernandes

Jorge Fernandes (foto: blog Letras In.Verso e Re.Verso)

Jorge Fernandes (foto: blog Letras In.Verso e Re.Verso)

Jorge Fernandes de Oliveira nasceu em 1887, filho do professor Manuel Fernandes de Oliveira e Francisca Fagundes de Oliveira. E é considerado um poeta inovador, revolucionário na poesia moderna no Rio Grande do Norte. Ele lançou apenas uma publicação, O Livro de Poemas, em 1927, porém este é sem dúvida um marco transformador na poesia do estado. Porém é na dramaturgia que Jorge Fernandes demonstrou suas habilidades com as letras. Além dos trabalhos em cooperação com outros dramaturgos como Francisco Ivo Cavalcanti, Ezequiel Wanderley e Virgílio Trindade, ele escreveu Pelas Grades, um drama de horror, influenciado pelo Teatro de Grand Guignol francês, e a comédia A Pulga e Jappe-Culotte, em 1915; o drama A Mentirosa, em 1916; O Brabo, uma comédia com influência circense, o que é chamado de vaudeville, em 1918; De Joelhos, uma peça patriótica, em 1938; Já Teve e O Aniversário, dois musicais; os dramas Assim Morreu e Manhã de Sol; e a tragi-comédia Desesperada.

Maria Carolina Wanderley

Carolina nasceu em 1891, filha de Luiz Carlos Lins Wanderley e Maria Amélia Wanderley, era meia-irmã de Ezequiel Wanderley. Diplomou-se professora pela Escola Normal de Natal, em 1911, e começou a dar aulas no Grupo Escolar Frei Miguelinho (hoje Instituto Frei Miguelinho). Ela lançou dois livros de poemas, Alma em Versos, em 1919, e Rimário Infantil, em 1926. É, no entanto, no teatro que Carolina Wanderley se destaca. Entre seus trabalhos podemos citar: Ao Espelho, um monólogo; o entreato Escudo do Rio Grande do Norte; e o musical Escolar. Entre seus dramas encontramos Neste dia, Ardores em Festa, Infantis, As Cinco Zonas, O Chapéu de Plumas, A Mentira, O Prisioneiro e Dezenove de Novembro.

Stela Wanderley

Stela Wanderley Benevides nasceu em 1893 e era filha de Segundo Wanderley, ou seja, nasceu e cresceu em meio ao teatro potiguar, e aos vinte anos ela se aventurou na dramaturgia. Ela lançou três peças em 1920, No Reino das Musas, uma fantasia em versos, e as comédias A Moça na Roça e O Bailado das Estrelas. Em 1922 ela retorna ao tema mitológico com Reino das Fadas, e no mesmo ano lançou As Aventuras de um Pescador. Em 1926 ela lançou a comédia O Testamento de Pérpetua e, no ano seguinte, a peça infantil Romance na Primavera. Em 1930, tivemos o lançamento de Nos Jardins do Palácio; em 1931, Um Anjo em Apuros; e em 1946 o drama sacro, O Filho de Deus. Três peças infantis foram lançadas em 1960, Não atires, Dia das Mães e Dia do Professor. Em 1962, O Pequeno Pescador, um drama em três atos, e Um Sonho, um teatro bailado, foram lançados.

Sandoval Wanderley

Nascido em Assu, em 1893, filho de Luis Carlos Lins Wanderley e Maria Amélia Wanderley, irmão de Maria Carolina. Atuou como jornalista nos periódicos como O Combate, A Folha do Povo e A Opinião; também, como era comum em seu tempo, publicou dois livros de poemas, no caso sátiras, chamados Farpeadas e Abra e Leia. Porém sua atuação nas artes dramáticas o tornam o dramaturgo mais importante do estado no início do século XX. É interessante que ele começa a escrever especialmente a partir do fim da década de 1930, quando lança sua primeira comédia, Taberna Azul (1939). Ele escreveu dezesseis comédias (E assim é a vida, Benedito, Um rapaz direito, A enfermeira, Tempos modernos, Isabel, Tudo é mentira, Quinta coluna, Ingratidão, A vida é uma nota falsa, Coronel ao passo, Sarita, Bruto, E ofende?, Pare, por favor, Beco da quarentena), cinco dramas (Tinha que acontecer, Um corpo caiu na madrugada, Os culpados, Julgai-me, senhores!) e um musical chamado Natal.

José Wanderley

José Paulo Guimarães Wanderley nasceu em Natal em 1905 e é considerado um dos pais do teatro moderno brasileiro, sendo um dos mais férteis entre nossos dramaturgos. O jornal A Noite, do Rio de Janeiro, noticia que na década de 1940 ele era o autor mais representado nos teatros da capital do país. Por causa disso, ele exerceu cargos no governo entre 1942 até 1964, integrou, por exemplo, as comissões brasileiras em encontros internacionais para discutir direitos autorais em Madri, em 1950, e na Berna, dez anos depois, e fez parte do SNT, Serviço Nacional do Teatro, criado por Getúlio Vargas, que tinha como objetivo manter um controle governamental sobre as peças que era montadas pelo país.

“O SNT foi estabelecido com finalidades que visavam contornar os problemas materiais e aprimorar artisticamente o teatro brasileiro. Suas competências abrangiam o estímulo à construção de casas de espetáculos, o amparo a companhias de teatro, o incentivo ao teatro infantil e o favorecimento da produção dramatúrgica.” (CAMARGO, 2013)

Em 1948, ele ficou responsável por avaliar as condições dos teatros nas capitais nordestinas, considerando o estado físico dos prédios, os grupos amadores e profissionais existentes e o resultado de suas bilheterias. A ideia era estabelecer um plano nacional de apoio ao teatro, especialmente ao teatro amador. Em 1952 fez parte dos membros fundadores da Academia Brasileira de Teatro, e na mesma época ganhou uma bolsa para estudar teatro na Europa.

Ele era especialmente famoso pelas suas comédias e pelo gênero vaudeville, que absorvia o teatro popular e os elementos circenses. Ele escreveu sobretudo comédias, muitas delas ao lado dos seus parceiros, o carioca Mario Lago e Daniel Rocha. Podemos citar: Compra-se um marido, de 1933; Uma vez na vida, Hás de ser minha, Cão de fila, Aconteceu naquela noite, Amanhã é dia de pecar, O cupim, Papai fanfarrão, de 1956, (apresentado no teleteatro da TV Tupi em 1959). Com Mário Lago temos Beijo que era meu, Pertinho do céu, Tudo por você, A ressurreição de Eva. Com Daniel Rocha, Era uma vez um vagabundo e Mais um drama na vida. que foram apresentados na TV Tupi em 1958 e 1955, respetivamente; Amo todas as mulheres, e O casca grossa. Com Djalma Bittencourt escreveu Dona e Senhora.

Os Atores e Atrizes

Deolindo Lima

Nascido em Assu, em 1885, era filho do Coronel Galdino dos Santos Lima e Ana Souto Lima. Era líder da Loja Maçônica potiguar, e como todos em sua época escrevia poesias, deixou dois cadernos inéditos após sua morte em 1944. Era ator, participando dos grupos de teatro amador da cidade desde a juventude, mas chegou a escrever um texto, o musical Reino das Fitas, em 1916.

Maria Epifânia de Oliveira

Temos poucas informações sobre as atrizes que primeiro pisaram nos palcos potiguares, sobretudo porque nossos historiadores mais antigos não achavam importante dar as mesmas informações que davam para os homens. Um exemplo disso é o caso de Maria Epifânia de Oliveira. Não sabemos sua data de nascimento, por exemplo, mas sabemos de sua morte, com “mais de setenta anos”, em 1918. No Livro das Velhas Figuras, Câmara Cascudo pinta um quadro extremamente vivaz da atriz: rude, impulsiva, alta, magra, “morena jambo”, com gotas de malícia em seus olhos grandes e castanhos. Nenhum homem é descrito nestes termos, mas é interessante como as mulheres ganham aspectos bem carnais quando descritas. Ele ainda diz que morrendo em 1918, estava seca e velha, reforçando a questão da aparência que uma mulher deveria manter, mesmo no leito de morte. Cascudo ainda diz que a atriz morreu pobre e esquecida.

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“Maria Epifânia é uma brusca solução de continuidade. Não devia ter sido senão uma inteligência assimiladora, equilibrada e prudente, sem criações, falando sem gestos, com aquela entonação uniforme, sonora e monótona, que caracteriza as declamações escolares, decoradas e maquinais. Mesmo assim, nada diminuiria a valentia do gesto nem os valores de uma alma singularmente orientada para a Arte” (CASCUDO, 1979).

Honória Reis

Cascudo escreve no Diário de Natal, em 1949, que Honória dos Santos Reis ainda continuava nos palcos. porém, não por causa de seu talento ou seu amor pela arte, mas “na saudade, por certo, de Joaquim Fagundes, o maior talento do seu tempo que era toda a animação de sua alma”. Sobre Honória só sabemos que fora a musa do poeta e dramaturgo Joaquim Fagundes, cuja beleza arrebatadora, “morena, bem feita, uma espécie de Capitu, com olhos de ressaca”, levou o autor a escrever suas peças e colocar os dois como par romântico sempre. Isto é repetido por vários autores que falam sobre Fagundes, sem mencionar, no entanto, que este tinha menos de 20 anos quando a conheceu. Fagundes morreu em 1877, isso dá 72 anos de carreira para Honória em 1949, porém ela estava trabalhando apenas por saudade de um amor adolescente. Conta também Cascudo que a atriz morrera também na pobreza, abandonada e esquecida.

Joana Pereira

Menos pesquisas ainda temos sobre quem foi Joana Pereira. Sabemos que ela se destacou no Ginásio Dramático, grupo de Francisco Ivo Cavalcanti, a partir de 1917. Chamando bastante atenção com sua atuação em O Degenerado, o musical Pronto, e a comédia O Jovem ao lado de Sandoval Wanderley e Honória Reis.

Para Saber Mais:

Ângela Melo. Um século de contribuições para a história do teatro na cidade do Natal: 1840-1940.

Angélica Camargo. O conselho consultivo do Serviço Nacional do Teatro: antigas polêmicas e novas propostas para uma política de teatro.

Angélica Camargo. Por um Serviço Nacional do Teatro: debates, projetos e amparo oficial ao teatro no Brasil (1946-1964)

Paulo Vieira. A filosofia dos sentimentos.