O Forte dos Reis Magos é um castelo medieval?

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares

Essa pergunta tem muitas respostas.

Alguém pode responder que cronologicamente a Idade Média acaba em 1453 quando os turcos-otomanos tomam a cidade de Constantinopla, em Bizâncio, acabando com a capital do Império Romano do Oriente. Ou pode dizer que o fim da Idade Média é a descoberta da América em 1492, por Cristóvão Colombo (que convenhamos é um evento muito maior e mais marcante que a tomada de uma cidade entre a Ásia e a Europa né?), e, portanto, a construção que é de 1598 só pode ser considerada moderna. A esta resposta, no entanto, se contrapõe outra. As tradições medievais não desaparecem com o fim da Idade Média. Na verdade, a invenção de que a Idade Média havia acabado só acontece durante o Iluminismo (lá no século XVIII, só duzentos anos depois). Então os homens dos quinhentos não se viam diferentes dos homens da cavalaria medieval.

Prova? As Capitanias Hereditárias! A gente tá acostumado em ouvir essas palavras, mas todos esquecem de comentar uma coisinha bastante interessante sobre elas. Elas eram feudos! Feudos! Cada donatário que recebia uma capitania se tornava vassalo do rei de Portugal, jurando lealdade e proteção, com todas as obrigações que o rito medieval de vassalagem garantia. A forma de viver, a tecnologia construtiva e as tradições dos homens dos quinhentos é ainda medieval.

Aí você pode perguntar: mas nesse meio tempo não aconteceu o Renascimento? Sim, aconteceu! Mas esse talvez seja o maior erro que se costuma falar nas escolas. O Renascimento não é um momento de ruptura com a Idade Média. E, mesmo se fosse, o Renascimento, primeiramente, é um movimento de uma elite extremamente urbana e letrada que, sem dúvida, não era a maior parte da Europa Medieval. Ela se concentra nos ducados italianos, em sua maioria, e em parte do Sacro Império Romano Germânico. Mas em boa parte da Inglaterra, França, Espanha e Portugal, o Renascimento chega tardiamente, já nos quinhentos! Ou seja, no mundo ibérico e, por conseguinte, na América portuguesa, o Renascimento não é um elemento a ser considerado ainda.

Então, por este espectro, o Forte deve ser considerado um castelo medieval. Já que ele é construído ainda através dos modelos medievais que os homens ibéricos estavam acostumados. Dois arquitetos seriam responsáveis pelo projeto do Forte. O primeiro projeto é do padre jesuíta Gaspar de Samperes (também conhecido como Gonçalves de Samperes). Ele era espanhol e antes de vestir as armas de Cristo, fora soldado em nome do seu rei. Foi aluno de Giovanni Battista Antonelli, um arquiteto italiano que trabalhava a serviço da corte da Espanha, e trabalhou como “mestre das traças de engenharia” tanto na Espanha como em Flandres (atual Holanda, que era colônia espanhola também). O prédio construído primeiramente de taipa teria sido reforçado (entre 1614 e 1628) pelo arquiteto português Francisco Frias de Mesquita, que fora nomeado engenheiro-mor do Brasil, em 1603, que o levantou em pedra e óleo de baleia, mas seguindo a planta projetada por Samperes. Porém, como lembra o historiador e professor Paulo Possamai, “as obras prosseguiram no intuito de revestir a construção com pedra, a fim de aumentar a sua resistência contra as chuvas e as marés. Se os muros de terra resistiam melhor que os de pedra ao canhoneio, pelo menos nos estágios iniciais do bombardeio, as intempéries lhes causavam danos constantes”.

Samperes, como lembra Newton Xavier, em um artigo sobre a ciência na América colonial, se apoiando no historiador jesuíta Serafim Leite, era um dos grandes gênios do mundo ibérico. E isso leva a uma segunda resposta: para alguns Gaspar de Samperes não seria mais um homem medieval! Aluno de um professor renascentista, tendo vivido em Flandres e viajado o mundo como jesuíta teria tornado ele um verdadeiro homem moderno. Porém a própria definição de “homem moderno” neste período será exatamente essa: um homem herdeiro da tradição medieval, mas que se apropria dela com novos olhos e de novas formas. Um castelo/forte construído por um homem moderno não será sempre uma construção medieval relida com um novo olhar? O castelo deixou de ser medieval por isso?

José de Arimateia Custódio resolve esta questão chamando de “fortalezas de transição”. Elas possuem características medievais, mas já se adaptam a novas necessidades que as novas tecnologias (em armas) exigiam. Podemos citar alguns elementos medievais mantidos no Forte dos Reis Magos:

1) Ele está em uma ilha. Na maré alta, o forte fica ilhado o que faz seu lugar de fosso, porém ainda protegido pelo arrecifes, que fazem lugar de uma segunda muralha.

2) Suas torres arrendondadas! As torres, com pequenas janelas, são características tipicamente das construções românicas medievais. Elas não são altas, porque combatem agora canhões e não arcos-e-flechas, mas elas se mantém lá. O formato arrendondado é típico da tradição italiana que Samperes congrega.

3) As defesas internas! Existem canais para, caso o forte ser invadido, que se despejasse óleo fervente nos invasores. Isto aparece em vários castelos, fortalezas e muralhas de cidades medievais (nos castelos góticos, as gárgulas serviam pra isso).

4) Os arcos romanos! As portas, inclusive na entrada, possuem arcos romanos, base da construção românica que para ser feitos precisavam de pedras cortadas em perfeição para se encaixarem.

São outras muitas características. Não nos cabe aqui colocar todas, mas acreditamos que quando ele for reaberto para visitação, poderemos enxergar bem melhor esse belo monumento de nosso passado.

Para saber mais:

A Ciência na América Colonial nos escritos de Serafim Leite e Guillermo Furlong

A Fortaleza dos Reis Magos na segunda metade do século XVII

Características arquitetônicas medievais em fortificações brasileiras

Personalidade Histórica: Gaspar de Samperes