História da Arte Potiguar: Arquitetura Eclética

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares e

Prof. Matheus Barbosa

A arquitetura eclética chega ao Brasil nos fins do século XIX para o XX, ela foi importada da Europa como símbolo de modernidade. Sua criação está inserida no contexto da Revoluções Industrial que ocorre na Europa ao longo do século XIX. Tais transformações impactaram nas formas de utilizações de vários materiais, como o vidro, ferro e o aço, gerando uma grande variedade de novas matérias-primas. Além disso, um fator social ganha força: o crescimento de uma nova classe burguesa que buscava mais status na sociedade, defendendo sua forma de ver o mundo, baseado no individualismo, fazendo com que ocorresse variações nas formas de criação do estilo artístico, que iria ser a gosto do construtor ou do cliente. "A incultura e o individualismo são as características do novo rico vitoriano. Se, por uma razão qualquer, um diretor de fábrica tiver se apegado a um estilo, nada o impedirá de mandar construir sua casa, seu ateliê, seu escritório, seu clube, naquele estilo.” (Pevsner,1970). São Paulo e Rio de Janeiro foram pioneiras nesse quesito no Brasil, e logo depois espalhando-se por todo país. O caso carioca é bem esclarecedor. Associado ao eugenismo, usando a desculpa de se favorecer a higiene, se derrubou muitos prédios coloniais, barrocos, neoclássicos, que agora estavam fora de moda, e se ergueram novos prédios sob o novo gosto moderno.

A mesma ideia chega a Natal com muita força. A capital potiguar era criticada por ser provinciana, por estrangeiros e por os filhos de suas famílias ricas que estudavam em Recife, Rio de Janeiro ou na Europa, e retornavam para a pacata capital. E, usando a desculpa de tornar a cidade mais higiênica, grandes obras se espalharam pela cidade. Um quarteirão inteiro, aonde hoje fica a Praça Sete de Setembro, por exemplo, foi abaixo “para melhorar a circulação do ar”. O braço do rio Potengy que avançava pela Ribeira, também foi aterrado, dando lugar a uma nova praça: a Augusto Severo.

Isso resolvia dois problemas. O primeiro, dar ares de modernidade a cidade para sua elite. O segundo, dar trabalho para os retirantes que se acumulavam na cidade por causa da Grande Seca de 1877. Muitos homens e mulheres haviam fugido da fome e da miséria invadindo as capitais nordestinas. Em Natal, estes são usados por vários governadores, porém a maior obra se dá no governo de Tavares de Lira, em 1904.

Todo um conjunto arquitetônico, idealizado pelo arquiteto Herculano Ramos, é erguido nos bairros da Ribeira e Cidade Alta. Este, antenado com as tendências modernistas na Europa e nas grandes cidades brasileiras, insere o Ecletismo no Brasil. Este estilo é descrito como uma composição de vários estilos. Nele aparecem referências à arquitetura clássica, gótica, barroca e até mesmo a neoclássica. Em uma única edificação, variados estilos se chocam e se encontram. Formas greco-romanas como arcos arrendondados, convivem com elementos góticos como portas ogivais; formas geométricas neoclássicas são colocadas lado a lado a volutas barrocas. O Ecletismo comporta vários estilos, porém faz uma releitura destes estilos, criando algo algo novo, atendendo ao aspecto do individualismo (o gosto pessoal do arquiteto, criando um estilo próprio, ou do cliente).

 Na passagem do século XIX para o XX, podemos encontrar várias construções com características ecléticas, em Natal, mas também em outras cidades do Rio Grande do Norte, como Ceará-Mirim. Na capital, a maioria das construções está nas proximidades da Praça Augusto Severo, mas também temos construções ecléticas na Cidade Alta, Petrópolis e Alecrim, o que demonstra a expansão da cidade.

A antiga Escola Doméstica é de 1914. Ela foi pioneira na educação feminina na cidade. Ela tinha como objetivo formar donas de casa, ressaltando a formação nos afazeres domésticos. A elas era ensinado o necessário para fazer o gerenciamento do lar, inclusive organizando seus gastos, como também os cuidados com as crianças. A escola também formava as jovens da cidade para ingressar na Escola Normal, que formava professoras. Seu prédio tem uma fachada quadrada, não retangular como seria característica do neoclássico, nela temos três janelas no térreo (de cada lado) e duas no piso superior, quebrando a simetria neoclássica; nele se projeta um alpendre sustentado por duas colunas com capiteis coríntios. O prédio é coroado por uma balustrada e um frontão com mísulas sustentando a diagonal sima de um frontão greco-romano, encimado por volutas e pináculos. Existe uma decoração geometrizada por toda a fachada, encimando as janelas. Um destaque é como os tijolos são usados como parte da decoração da fachada, criando profundidades diferentes.

Ao lado da antiga Escola Doméstica temos o Grupo Escolar Augusto Severo, de 1908, que foi criado para absorver as crianças que moravam na Ribeira, e assim não precisariam ir até a Cidade Alta para estudar. Mais tarde o prédio abrigou a Escola Normal (a partir de 1911) e, depois, se tornou sede da Faculdade de Direito de Natal, que na década de 1970 foi incorporada a UFRN. O grupo escolar era Escola Modelo dos alunos de magistério da Escola Normal, ministrando-se inclusive aulas noturnas para adultos, ele foi a base para uma reforma educacional realizada pelo governador Alberto Maranhão e o Diretor de Instrução Pública, Francisco Pinto de Abreu, professor do Atheneu Norteriograndense e diretor da Escola Normal. A reforma incluiu a extinção de disciplinas, criação de novas, como música, e criação de vinte-e-quatro novos grupos escolares nos municípios do Estado. Segundo Cascudo foi uma “revolução verdadeira, estabelecendo métodos e renovando o ambiente educacinal” (CASCUDO, 1999). O prédio térreo tem uma fachada coroada com um frontão triangular (elemento neoclássico) com balaustradas ao lado (que seguem por todo teto), no topo, uma estátua, trazida da Europa, observa a entrada dos alunos. O frontão é decorado com folhagens de acanto, flores-de-lis e vinhas (elemento barroco). Na porta principal se projeta um alpendre com colunas esguias, encimadas por uma cornija arredondada e duas águias de asas abertas. Sobre as janelas, decorações com guirlandas (elemento rococó).

Uma das outras construções ecléticas que podem ser vistas na Ribeira é o prédio da superintendência estadual do IPHAN. O palacete de 1904, que pertenceu a Fortunato Aranha, tem arcos ogivais, além de uma decorada balustrada no teto, usando elementos orgânicos. A escadaria curva também é um característica que podemos citar. Ainda na Ribeira, entre as ruas Chile, Dr. Barata, Frei Miguelinho e a Av. Tavares de Lyra ainda encontramos onze prédios ecléticos.

Solar Bela Vista

Solar Bela Vista

Outro prédio, fora da Ribeira, que segue o estilo eclético é o Solar Bela Vista. Ele foi construído em 1907 pelo coronel Aureliano Medeiros, um rico plantador de algodão. Ele foi construído pelo coronel para abrigar sua família trazendo todos os materiais da Europa, inclusive a mobília. O casarão tinha até mesmo sua própria capela, onde se realizava missas aos domingos apenas para a família, e os jardins foram um dos primeiros a seguirem os padrões franceses na cidade. Em 1948, Sinval Duarte Pereira comprou o casarão e abriu o Hotel Bela Vista, em homenagem a visão do Potengy. Com o fechamento do hotel, o palacete se deteriou até ser restaurado pelo SESI, na década de 1980. Os elementos mais chamativos da arquitetura eclética que aparecem no Solar são as suas janelas ogivais , como também os pináculos que coroam o seu frontão (ambas características neogóticas). As escadarias curvadas, típicas do Barroco, e o frontão neoclássico também aparecem na construção.

Fora da Ribeira, temos o Palácio Felipe Camarão, onde funciona a prefeitura do Natal, construído em 1922, que teve como arquiteto o italiano Miguel Micussi. O seu estilo eclético tem como elemento mais chamativo os elementos góticos e árabes. O gótico aparece no prédio da prefeitura demonstra nos pináculos acima das torres, arcos e frontões, em formato de ogiva. Um elemento muito interessante do palácio é o balcão na fachada oeste do prédio. Ele tem visível inspiração árabe, com seus arcos de ferradura e a decoração da cúpula. Além disso o prédio tem decoração com grinaldas, arcos sobrepostos e cornijas duplas também são características do Barroco e Rococó que são reapropriadas por este estilo construtivo. Os elementos geométricos que aparecem sobretudo nas colunas já são uma influência do Art Decó.

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Em Petrópolis, graças ao avanço imobiliário, poucos monumentos deste período sobreviveram. Como este é o momento de expansão da cidade para esta região da cidade era de se esperar encontrar muitas construções que remetem ao período do Ecletico, da Art Nouveau e do Art Decó, porém poucos resistiram. Um dos poucos que encontramos é a Maternidade Januário Cicco. Fundada em 1928, ela foi construída pelo engenheiro Décio Fonseca seguindo a tradição eclética. O primeiro elemento é a fachada neoclássica, com escadaria e discreto jardim, em que predomina a simetria e os planos verticais. As janelas do primeiro andar são todas retangulares, enquanto as do segundo piso são em formato de arco, um elemento muito comum em prédios ecléticos.. O pórtico avança na fachada central, sustentado por colunas com capiteis dóricos, o guarda-corpo é guarnecido por elementos vazados. O prédio é encimado por frontões com linhas sinuosas, remontando ao barroco, e óculos para a ventilação do forro. A maior janela na fachada, chamada de Janela Diocleciana, tem elementos decorativos em em madeira. Como era comum no estilo eclético, se somavam-se tradições artísticas diferentes, o telhado é coberto com telhas planas, característica do período colonial, com arremate chamado de andorinha, também típico desta arquitetura.

Foto: Otami de Oliveira Porpino

Foto: Otami de Oliveira Porpino

Um outro belo exemplo da arquitetura eclética é a Igreja da Sagrada Família nas Rocas. Construída em 1925, a capela possuí janelas ogivais na parte superior de sua fachada, enquanto na parte inferior três portas em arco, com tímpanos decorados, se abrem para a assembleia. O frontão é decorado com delicadas bandeiras e pináculos.

Um importante monumento eclético potiguar é, também, a Igreja de São Pedro, no Alecrim. Construída em 1919, esta igreja explora como nenhuma outra no estado os elementos neogóticos em sua construção. As portas e janelas ogivais, os pináculos falsos na fachada que guiam o olhar do observador para cima, os pináculos em sua torre central, que é cravada de óculos que permitem a entrada de luz na nave central. Cada um destes possuí vitrais que filtram a luz que entra na igreja. Os altares no interior da igreja também foram esculpidos seguindo os elementos neogóticos. As imagens do santo Pedro no topo da torre, como de anjos funcionando como colunas (o que é chamado na arquitetura de atlante, se são masculinas, ou cariatide, se são femininas) também são elementos bastante interessantes neste templo.

Em Ceará-mirim tem como sua principal construção eclética a Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Sua inauguração é de 1901 (e teve sua primeira restauração em 2010), e isto já indica que ela é de um período de transição, havendo elementos tanto neoclássicos como também outros que podem ser considerados ecléticos. A igreja possuí uma fachada principal coroada com um frontão triangular, com três portas, também com frontões, e três janelas no segundo piso/coro, com guardas-corpo de ferro batido, estes elementos são todos neoclássicos (provavelmente a época em que a igreja foi iniciada), mas há também um vitral em meia-lua e as beiras do frontão são decoradas, o que são elementos neogóticos; o cruzeiro também é decorado com volutas, elemento barroco, que é ressignificado pelos arquitetos ecléticos; fachada é ladeada por duas torres quadradas que terminam em uma cúpula triangular, este elemento já não é mais neoclássico, já é uma interferência neogótica (do ecletismo), as janelas superiores da torre também são ogivais, outro elemento eclético. Sendo assim, a melhor classificação para a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição é de transição, entre o Neoclássico e Eclético.

 Para Saber Mais:

Annateresa Fabris, Arquitetura eclética no Brasil: o cenário da modernização.

Antônia Trindade. Maternidade Escola Januário Cicco: história, arquitetura e patrimônio.

Cíntia Viegas. Em busca de uma ambiência histórica: transformação na forma urbana e percepção da historicidade do sítio histórico de Natal-RN

Cíntia Viegas e Rubenilson Teixeira. Ruas que revelam histórias: estudos morfológicos e percursos sensíveis pelo sitio histórico de Natal

Christiane Gioppo. Eugenia: a higiene como estratégia de segregação.

Hélade Lorenzoni. O eclético.

João Henrique Bonametti. A arquitetura eclética e a modernização da paisagem urbana brasileira.