Genealogia dos Bairros: Cidade Nova - Tirol & Petrópolis

por Alexandre Rocha

Natal no início do séc. XX

Natal  cresceu devagar até meados do século XIX. Até o início do século XX a cidade superara a marcação colonial das duas cruzes e já se configurava com  dois bairros, Cidade Alta e Ribeira. Um braço do Rio Potengi separava esses espaços. Veja como era Natal em 1868:

ALMEIDA, 1868.

No início do século XX Natal vivia um momento de prosperidade, a capital potiguar se tornara um ponto importante no mapa mundial de exportação de algodão, e assistia uma baixa na comercialização de açúcar.

"Com o funcionamento da [Ferrovia] Great Western e com abertura desta estrada para Macaíba [Estrada do Guarapes], Natal aumentou a sua função exportadora e, naturalmente, atraiu mais gente para vir habitar seu espaço. Embora a corrente migratória em direção a Natal não fosse tão grande (veja-se que a população de Natal, em 1890, era em torno de 13.000, passando a 16.000, em 1900), uma parte se fixava no Alecrim e o restante se arranchava na área hoje ocupada pelos bairros de Petrópolis e Tirol." (ITAMAR, P. 381)

Nesse post falaremos da criação do terceiro bairro de Natal, o bairro de Cidade Nova, o mesmo local que hoje conhecemos como Petrópolis e Tirol.

A Cidade Nova

A fundação do bairro se deu no dia 30 de dezembro de 1901, quando o presidente da Intendência Municipal, Joaquim Manoel de Moura funda publicou a Resolução N.o 55. Nela o bairro era delimitado, duas ruas ganhavam o nome dos presidentes da República e, nas paralelas, as ruas ganharam nomes de rios

Art. 2º. - A Cidade Nova compreenderá, desde já, de acordo com a respectiva planta arquivada na secretaria, quatro avenidas paralelas com as denominações de Deodoro, Floriano, Prudente de Morais e Campos Sales, cortadas por seis ruas com os nomes de Seridó, Potengy, Trairy, Mipibu, Mossoró e Assu e duas praças, denominadas de Pedro Velho e Municipal.

A avenida que partindo da Praça Pedro Velho, se dirige, no rumo norte, para as dunas, terá o nome de Alberto Maranhão.

( A República, 04 de janeiro de 1902)

No mesmo documento está a criação de outras duas a Sétima e a Oitava avenidas, que seguiram o mesmo raciocínio quando novos presidentes chegaram à lista, tornando-se Afonso Pena, quando fora presidente do Brasil entre 15 de novembro de 1906 e 14 de junho de 1909 e, respectivamente, Hermes da Fonseca, presidente entre 15 de novembro de 1910 e 15 de novembro de 1914.

Se você é bom de matemática há um intervalo entre os dois presidentes, período que Nilo Peçanha governara o país, entre 14 de junho de 1909 e 15 de novembro de 1910, que dá nome ao trajeto que segue do fim da Prudente de Morais até a (futura) Av. Getúlio Vargas. Em breve veremos como essa organização em números fora usada em novos bairros, como aconteceu no Alecrim.

Linhas de bonde até 1912_acervo HCUrb

Diferente dos outros bairros, a Cidade Nova nasceu de um projeto. O calor do início do século XX esquentava a sensação de progresso e trazia consigo uma postura mais científica sobre todas as coisas. Diversos historiadores encontraram informações sobre o nosso passado que vão além dos documentos oficiais. Vejamos.

O que não está no documentos oficiais

Para ajudar a perceber o que era Natal no início do século XX veja essa imagem da Praça da Alegria, hoje praça Padre João Maria, em 1904:

Acervo do IHGRN

Esse era o velho, o ultrapassado, o sujo. São muitos os comentários em jornais se perguntando: como uma capital tinha esse aspecto? A proposta da Cidade Nova era o progresso, a modernidade, a higiene! Tudo isso se concretizou em avenidas planejadas, com recuo para a construção das casas, espaçamento entre as construções e a iluminação elétrica.

Imagine você como ficaram os natalenses ao assistir os impactos da chegada da energia elétrica. Todos podiam assistir ao bonde subir da Ribeira à cidade alta, mas poucos podiam pagar pelo serviço. Poucas casas receberam iluminação elétrica. Mesmo com a implantação da indústria, quantos eram os trabalhadores e quantos eram os industriais, essa era a medida de quem recebeu acesso ao novo, ao moderno, ao progresso.

Chegada do bonde elétrico no Monte Petrópolis 1912, acervo HCUrb

Com certeza você se lembra d o seu professor de História lhe explicando sobre as Oligarquias. Em Natal se viveu sob a liderança dos Albuquerque Maranhão, família ligada ao açúcar, o principal produto da economia potiguar até o final do século XIX. No início do século XX a economia do algodão se fortalece nesse período e se mantém forte e crescente, no mesmo momento em que o açúcar entra na crise causada pela concorrência caribenha aliada à abolição da escravidão.

É nesse cenário que assistimos à criação do bairro de Cidade Nova. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão mantém na vida política, na institucionalização da República e na modernização da cidade o seu relacionamento com o governo federal, no Rio de Janeiro.

Seguindo o exemplo carioca a cidade agora possuía um caráter urbano. No urbano não é permitido criar animais, construir casas geminadas, fazer suas necessidades nas ruas, mesmo que seja o hábito de "jogar fora a obra". A vida na Cidade Alta ou na Ribeira esbarrava em um desses itens, senão todos!

A Cidade Nova veio, desde o seu planejamento, mostrar como a população urbana deveria se comportar. Lembremos que as áreas em que hoje temos as Rocas e o Alecrim estavam fora desse perímetro urbano, e eram as regiões que mais recebiam moradores.

Os poucos moradores do novo bairro agora não poderiam atender a todas as exigências. Pior ainda era a enorme quantia de impostos para morar no novo espaço urbano. Como ficaram as famílias das pessoas que moravam na região da Cidade Nova antes do bairro existir? Como ficara o morador que criava animais para vender? E o morador que mantinha seu emprego na cidade e na sua morada na região tinha a sua roça e algumas galinhas?

Cidade das Lágrimas

Com a legislação que inaugurou o bairro de Cidade Nova delinearam um bairro limpo, perto da praia e organizado. Em resumo essa era uma área a ser ocupada pelos moradores mais ricos.

A historiadora Gabriela Fernandes analisou documentos da época. Foram 120 cartas de aforamento (aquisição de terras)  e encontrou ligações diretas e indiretas de pessoas ligadas à oligarquia Albuquerque Maranhão que se beneficiaram da nova estrutura de distribuição de terras.

Na obra "Cidade Nova ou Cidade das Lágrimas?" Gabriela encontrou no Diário de Natal, jornal oposicionista do jornal A República, diversos relatos da expulsão dos moradores da região de Cidade Nova e, ainda mais, a exploração de retirantes nas obras das novas ruas construídas. Esse cenário deixou a região conhecida como Cidade das Lágrimas.

Tirol e Petrópolis

Foi Alberto Maranhão, em seu segundo governo entre 1908 e 1913, que mudou os nomes da Cidade Nova para Petrópolis e Tirol.

"Considerando a beleza da colina, lembrei-me de criar o novo bairro e o fiz pensando na Petrópolis fluminense, dos veranistas do Rio, a cidade dos diários, (...) A denominação de Tirol, ao bairro, foi uma simples fantasia sem justificativa real. Uma lembrança da província austríaca, qualquer coisa de reminiscência recalcada de leituras literárias, e nada mais." (CASCUDO, Câmara. História da Cidade do Natal, p. 352 e 353. 1999)

Ainda há muito o que se contar sobre o desenvolvimento dos dois bairros. Nos próximos capítulos mostraremos como essa Natal se fez “Uma cidade Sã e Bela".