Genealogia dos Bairros: Ribeira
Prof. Dr. Lenin Campos Soares
O nome primitivo da Ribeira era Cidade Baixa, e ela é citada desde o século XVII na documentação como a “lagoa da campina”, suas terras pertenciam a João Rodrigues Colaço, ao padre Gaspar Gonçalves da Rocha e Antônio Rodrigues Leitão. E essa região, até o século XIX, segundo Câmara Cascudo, era ocupada apenas por alguns grandes sítios, e os guardas dos armazéns que beiravam o porto, através do qual se exportava mercadorias para Pernambuco.
Contudo, a sua primeira igreja data de 1774, a Igreja de Bom Jesus das Dores, o que indica uma sociedade um pouco mais complexa do que essa descrição faz pensar. Se haviam apenas poucos habitantes, não faria sentido construir uma igreja na região, porém se temos uma população isolada, é importante que elas tenham o seu próprio templo. E esse é o caso: a Cidade Baixa estava completamente desconectada da Cidade Alta, graças aos íngremes morros, e à um braço do Potengy que avançava até a a região onde hoje fica a Praça Augusto Severo, transformando toda aquela região em um pântano.
“Os dois núcleos tinham vida quase independente pela distância. Durante a noite nenhum cidadão da Cidade Alta afrontaria os descampados da ladeira, temendo o lobisomem que corria nas trevas da sexta-feira, para ir bisbilhotar pela Ribeira”. (Cascudo, p.152).
A conexão entre os dois bairros era tão difícil que surgiu uma rixa entre quem morava em cada parte. Os Xarias, como eram chamados os moradores da Cidade Alta, e os Canguleiros, os moradores da Ribeira, não podiam se encontrar sem que a polícia da cidade não tivesse que intervir. Explica Diego Campelo que xaria vem de xaréu, peixe caro, comido apenas pela elite moradora das altas dunas natalenses; canguleiro vem de cangulo, peixe miúdo, consumido pelos pescadores e suas famílias, os moradores das terras baixas. O conflito de classes só se intensificou conforme a Ribeira crescia em importância.
Na descrição do viajante inglês Henri Koster, em 1810, eram trezentos moradores. Cascudo explica que a capital possuía 5977 habitantes à essa época, então apesar de ser um número considerável de pessoas, comparando-se com o total de habitantes da cidade, a Cidade Baixa era ainda muito deserta. Todavia, por causa da movimentação do porto, o bairro começou a crescer, com os trabalhadores ligados ao comércio estabelecendo suas casas, especialmente, na Rua da Alfândega (que mais tarde se tornaria Rua Chile).
Em 1838, já estavam criadas as Rua da Campina (av. Duque de Caxias) e Rua da Praia (Av. Silva Jardim), chamada assim porque era inundada pela maré quando o Potengy enchia, além da Rua do Aterro (atual Câmara Cascudo), chamada assim porque para ser construída foi necessário usar a sua areia para aterrar parte do braço de rio que invadia a região da praça, reduzindo assim a altura da duna que separava as duas regiões. Uma praça, chamada de Canto, entre a Silva Jardim e a Rua Chile, era um atracadouro em que canoas e jangadas dos pescadores ficavam presas.
Na década de 1850 e 1860, o algodão potiguar ganhou o mercado internacional, graças aos conflitos da Guerra da Secessão nos Estados Unidos. Com isso a Ribeira ganhou armazéns e galpões de pedra-e-cal. O porto já não dava mais conta do volume de vendas e é ampliado sucessivamente em 1863 e 1869. Esta última reforma realizada pelo presidente da província, Pedro de Barros Cavalcanti de Albuquerque, que o batizou Cais 10 de Junho (atualmente Tavares de Lira), mas ele caiu no gosto popular como Pedro de Barros e, no ano seguinte, transferiu a sede da administração provincial para um sobrado na Rua da Alfândega, que passou a se chamar Rua do Comércio (atual Rua Chile), deixando o palácio na Rua da Conceição. Era preciso estar perto de onde fluía tanto dinheiro.
Em 1888, a Câmara Municipal criou vinte duas ruas no bairro, porém, no início do século XX, a Intendência Municipal (o nome que tinha a prefeitura) reorganizou as vias e preparou um censo indicando 2800 moradores na região (sendo a maioria de seus habitantes de indígenas e negros, 59,53%) e, com apoio do governo estadual, na figura de Tavares de Lira, preparou uma grande reforma urbana que envolveu a drenagem do braço do rio Potengy para a criação da Praça Augusto Severo; a terraplanagem da rua do Aterro; o empedramento (com pedras de arrecife) das ruas, a construção da futura Av. Tavares de Lira com a ereção do obelisco e a construção do Teatro Alberto Maranhão, tudo sob coordenação do arquiteto Herculano Ramos. Na nova praça, postes com luz de acetíleo, convidaram os xarias a passear nas terras dos canguleiros. Diz Itamar de Souza que o trabalho foi realizado por centenas de flagelados da seca de 1914 que chegavam em ondas à cidade. O dinheiro para essas obras veio por causa do crescimento do porto e das boas relações que Tavares de Lira possuía com o governo federal.
Mesmo com a transferência da sede do governo para o Palácio Potengy em 1902, a Ribeira continuou sendo um bairro dedicado ao comércio. Nas novas ruas como a Rua das Lojas (Dr. Barata) e 13 de Maio (hoje Frei Miguelinho) abriram-se butiques que importavam produtos da Europa, armarinhos, alfaiatarias, farmácias, além de uma feira, a Feira da Tatujubeira; já na Tavares de Lira abriram-se clubes de cavalheiros, como o Carneirinho de Ouro, onde os rapazes da sociedade potiguar iam jogar bilhar, xadrez, gamão, baralho, vípora e dominó; clubes de dança e cafés, como o Cova da Onça, em que se encontravam a elite política do estado na década de 1920, enquanto na praça um novo cinema e sorveteria, o Politheama. Não podemos esquecer a abertura do Hotel Internacional (1920), defronte ao obelisco; e o Grande Hotel (1939), além da primeira agência do Banco do Brasil (em 1917).
E esta aptidão comercial continuou a crescer conforme as contínuas ampliações do porto nos deixam ver e os inúmeros prédios surgindo pelas suas ruas. De 1930 até 1945, o bairro e o porto só crescem. O Cine Rival abre as portas em 1937; o Edifício Varela e o Edifício Campelo, em 1938; o Edifício Bila; a Associação Comercial e o Banco do Povo (antigo Procon) são inaugurados em 1944. Somente após a Segunda Guerra, no entanto, a Ribeira começa a experimentar alguma crise, e suas firmas começam a se transferir para a Cidade Alta.
Para Saber Mais:
Diego Campelo. Xarias x Canguleiros, a rixa que dava até em morte na Natal do século retrasado.
Itamar de Souza. Nova História de Natal
Luís da Câmara Cascudo. História da Cidade do Natal.