Os Cão da Redinha
Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares
Em 1962, segundo Sérgio Vilar, o bloco d’Os Cão começa a sair na Praia da Redinha. Há duas versões de como o bloco surgiu, contada pelos seus foliões mais antigos. A primeira versão, registrada por Allan de Araújo, atribui a três amigos a fundação do bloco. Eles se juntavam, se enchiam de lama, e saiam batendo latas e panelas pelas ruas da Redinha Velha. Uma das brincadeiras comuns era capturar as crianças que estavam pelas ruas com suas redes de pescas, sujá-las de lama e levá-las junto do bloco. Esta tradição tem, sem dúvida, uma relação com os papangus que também fazem parte dos festejos carnavalescos potiguares. A outra versão atribui a José Gabriel de Gois, o Zé Lambreta; e Francisco Ribamar de Brito, o Dodô, a fundação do bloco numa terça-feira de Carnaval. Eles, que eram pescadores, nativos da praia, resolveram ir ao Rio Doce para catar caranguejo para servir de tira-gosto à cachaça que bebiam ali, às margens do rio. Acompanhados de Armando Ferreira de Brito, irmão de Dodô; Francisco Clemente da Silva, o Chico Baé; Francisco Valdécio, Chico do Cabo; e Djalma de Andrade, Uá; eles resolveram se melar de lama e sair assustando as pessoas pelas ruas da praia. A versão registrada por Allan de Araújo, com base no depoimento de Maria de Lurdes do Nascimento, diz que o bloco foi batizado pelos nativos que gritavam quando eles apareciam: “Olha, os cão!”. Mas Dodô dá, em entrevista a Sérgio Vilar, uma outra versão. Ele afirma que quando Chico Bae colocou dois charutos de mangue (as sementes das árvores) na cabeça e prendeu um rabo de salsão-da-praia, ele afirmara: “Tais todinho um cão!”. E daí teria surgido a ideia do nome do bloco. Os sete saíram em direção ao Mercado Público, cantando “Ainda tem cão dentro / ainda tem cão / rela rita / rita rela / ainda tem cão dentro dela“ e chamando atenção. Eles pretendia entrar no mercado, porém não foi permitido pelo administrador, João Caetano de Barros, que temia que eles sujassem as paredes. De lá, eles se encaminharam para o trapiche, onde lavaram a lama de seus corpos.
No ano seguinte, o bloco tinha o dobro de foliões. Quinze pessoas saíram naquele ano. Eles levavam sacos de estopa no qual guardavam os presentes dados pelos veranistas: garrafas de cachaça, tira-gostos e até mesmo dinheiro. O dinheiro recolhido financiava uma grande feijoada que era dividida com os moradores da praia. Até 1990, no entanto, não há um grande crescimento do bloco. Era uma festa entre moradores, cantando marchinhas de carnaval, ao som de instrumentos de percussão. Porém após a urbanização da praia e a conclusão das obras da ponte Newton Navarro, um novo público se junto aos nativos banhando-se de lama no Caldeirão. O bloco cresceu (em 2012, 10 mil pessoas estavam n’Os Cão) e passou a ter um trio elétrico, novos adereços também foram acrescentados a fantasia como chifres e tridentes de plástico, máscaras também passaram a criar ainda mais elaboradas fantasias.
“O ritual começa quando a maré estiver seca, geralmente antes do meio dia. Alguns se melam e pegam a lama para outras pessoas. Os primeiros que se lambuzarem já se manifestam na rua fazendo a bagunça e chamando os outros para o ritual de se melar, depois eles se melam de novo, porque tem que se melar duas vezes. Quando todos estiverem melados, saem na rua contagiando as pessoas e cantando as marchinhas de carnaval até a primeira parada que é o Ponto do Cruzeiro, seguindo posteriormente para a Lavagem, diretamente na Praia da Redinha” (Allan de Araújo, Carnaval da Sociabilidade)
Hoje o bloco d’Os Cão é considerado patrimônio imaterial da cultura potiguar. Isto quer dizer que ele é parte das formas de expressão e sociabilidade de um lugar. “Um retrato vivo da alma de um povo”.