A Tragédia do Baldo
Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares
Em 1984, a 25 de fevereiro, dezenas de pessoas pulavam o carnaval brincando e acompanhando o bloco Puxa-Saco pelas ruas da Cidade Alta, as 0:50, quando um ônibus, desgovernado, atingiu a multidão, atropelando e matando 19 pessoas, e deixando inúmeros feridos. Em depoimento, o motorista Aluízio Farias Batista disse que após uma exaustiva jornada de trabalho, numa linha da empresa Guanabara que ligava o bairro do Alecrim às Rocas, ele pegou vários membros de uma escola de samba, a Malandros do Samba, que havia desfilado na av. Presidente Bandeira. Estes, dentro do ônibus, começaram a provocar o motorista, exigindo que eles chegassem logo. Eles puxavam constantemente a campainha do ônibus, o sinal de parada, dizendo, eufóricos, que queriam chegar em casa cedo. Irritado, Aluízio Batista saiu em “carreira desabalada”, como conta uma testemunha, alcançando por volta de 70km/h, e sem respeitar os semáforos que encontrava pela av. Coronel Estevam. Os passageiros começaram a ficar assustados e quando pediram para que ele parasse, o motorista teria dito: “Se tiver que morrer, morre todo mundo!”.
Quando o ônibus alcançou o trecho sob o Viaduto do Baldo, pretendendo subir a avenida Rio Branco, ao fazer uma curva, o ônibus bateu com a parte traseira em um fusca que estava estacionado. Essa batida mudou a trajetória do veículo, fazendo atravessar o canteiro e alcançar o outro lado da avenida, que estava fechada, naquele sábado, para as folias carnavalescas. O ônibus então se chocou com os foliões do Cordão do Puxa-Saco, ou seja, por volta de 5 mil pessoas que brincavam no bloco de rua. O Cordão era um bloco de elite, como explica Sérgio Orieva no seu blog de memórias:
“Era a época dos Blocos de Elite, mais especificamente carroções estilizados puxados por um trator aonde as músicas de carnaval eram tocadas por uma banda e o vestuário estilizado era distinto para cada bloco e cada dia de carnaval.” (ORIEVA, S. Natal, lembranças e saudades)
Após atravessar o canteiro, o ônibus ainda continuou por pelo menos 86 metros, quando parou; tentando fugir, o motorista deu ré e atropelou outras pessoas, até ser parado por um dos foliões, Adailson Pereira de Oliveira, conhecido como “Batata”, que subiu no ônibus e puxou o freio-de-mão do veículo. O impacto matou dezenove pessoas e feriu gravemente onze, o número daqueles que foram feridos levemente não é conhecido. Em depoimento, Dickson Medeiros, que era presidente do bloco aquela época conta que a avenida se tornara um mar de sangue. O ITEP, em laudo, não encontrou nenhum problema mecânico no ônibus, porém, no histórico do motorista já havia registros de direção perigosa e de um atropelamento que vitimara uma mulher quatro anos antes. A 30 de junho do mesmo ano, Aluízio Batista foi indiciado por assassinato, e condenado em julgamento a 21 anos de prisão, porém, após dar seu depoimento, alguns dias depois do atropelamento, ele nunca mais fora visto. Aluizio Batista desapareceu e mesmo com seu rosto aparecendo no programa global, Linha Direta, em 2005, nenhuma informação foi conseguida.
A morte de tantas pessoas causou um trauma na cidade. A partir da tragédia as folias de carnaval migraram para as casas de veraneio nas praias mais distantes da cidade. O natalense preferia visitar as praias potiguares ou de outros estados do que permanecer na capital. Para muitos decretou a morte do carnaval de rua na cidade até a retomada a partir dos anos 2000, sob patrocínio sobretudo do poder público, interessado nos turistas que o carnaval sempre traz.