Isabel Gondim, a historiadora
Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares
Nascida em Parary, atual Nísia Floresta, em 1839, com o nome de Isabel Urbana Carneiro de Albuquerque Gondim, segundo Câmara Cascudo, fora a única mulher que tivera coragem de concorrer na produção intelectual ao lado dos homens. Filha do professor Urbano Egidio da Silva Costa Gondim de Albuquerque e de Isabel Deolinda de Melo Gondim de Albuquerque, era irmã de Maria Urbana de Albuquerque Gondim. Conta a própria Isabel Gondim como se dera a sua educação:
“Criada fora do bulício da sociedade, no retiro de modesta e aprazível casa, após o tirocínio escolar na mesma, sob a direção dos meus progenitores, tomei por distração a leitura que pouco a pouco foi-me conduzindo ao estudo das matérias mais necessárias ao desenvolvimento das idéias, e ao qual seguiu-se logo o da acanhada literatura que então me podia ser acessível” (A Lira Singela, Prefácio).
É a partir daí que educada pelo pai, Isabel Gondim lê Jean Jacques Rousseau, filósofo francês; Almeida Garret, dramaturgo português; Henriette Campan, educadora francesa; e o padre J. Roquette. O interesse pela poesia surge de imediato. Poemas escritos sem preocupação com versificação, estilo ou gênero foram produzidos durante toda a juventude. Mas, influenciada pelo pai, Isabel Gondim acredita que o magistério era um chamado muito mais importante do que o de poetisa. E é por isso que ela deixa o Sítio Ribeiro e mudasse para Natal.
A época da chegada de Isabel Godim a capital, Natal estava se tornando mais moderna. A iluminação pública, a ampliação da cidade, o movimento republicano, tudo isso eram sinais de que um novo século estava para começar. Uma das mudanças importantes é a instituição do ensino público e, com ele, de cadeiras de educação feminina. É para assumir esse emprego que Isabel Gondim chega aos 27 anos. Em 1866, ela fez concurso público e assumiu uma turma de educação feminina na capital. Ela escreve:
“a educação é a formação do homem, seu fim é torná-lo membro útil e feliz da sociedade. Seu objeto, formar o corpo, o coração e o espírito do educando” (Elementos de educação escolar - para uso nas escolas primárias de um e outro sexo, 1885).
Portanto, o foco da educação para Gondim era preparar as alunas para viver uma vida cristã e patriótica. Para isso ela percebe que não existe material publicado. Não havia nenhuma material em língua portuguesa destinado à educação feminina, ela então resolve escrever, baseado nos autores que leu em sua juventude, um livro que, publicado em 1873, recebeu o nome de Reflexões às minhas alunas. Diz Maria Arisnete Câmara de Morais que
“esse livro destina-se à Educação nas escolas primárias do sexo feminino, oferecida ao governo dos Estados Unidos do Brasil, para o qual a autora pede a atenção dos senhores pais de família. Trata-se de um manual de orientações ao sexo feminino, abordando temas como a menina escolar, a moça em sua puberdade, a moça em sua juventude ou nubilidade, a mulher casada e a mulher mãe”.
Seu livro foi rapidamente adotado pelo sistema escolar brasileiro, tendo várias edições desde o lançamento, tendo sempre esgotados todos os números. Um grande sucesso de vendas. O livro tem uma edição revista em 1910, explica a autora que isso é necessário dado as mudanças políticas que aconteceram no país. Haviam alguns tópicos que precisavam ser corrigidos.
Até 1891, quando se aposenta com a idade de 52 anos, Isabel Gondim pensou a educação feminina em Natal como voltada sobretudo a uma educação humanista. Ela acreditava que, por exemplo, o cultivo das línguas estrangeiras era muito importante, principalmente a língua francesa, uma vez que nela “estão escritas excelentes obras de literatura, de ciências e de educação”. Gondim também sugeria que suas alunas se dedicassem a literatura com fervor, porém era necessário conhecer apenas os “bons livros”, tendo o cuidado para não ler obras consideradas “perniciosas”. Essas obras consideradas perniciosas, isto é, perigosas, eram os romances da escola realista, como O Cortiço, de Aluísio Azevedo, ou O Ateneu de Raul de Pompeia, que seriam verdadeiros “incendiários do coração da mocidade”.
Deixando a sala de aula, Isabel Gondim passa a dedicar-se a literatura e a história. Escreve em 1900, com segunda edição em 1913, o livro ufanista O Brasil - poema histórico do país. Um texto em três cantos sobre a história do Brasil, um canto que vai do Descobrimento à Independência, outro que vai da Independência até a Guerra do Paraguai e outro que vai até a Proclamação da República. Conta Maria Arisnete de Morais que o livro foi muito bem recebido. Em 1908 publicou Sedição de 1817 na Capitania ora Estado do Rio Grande do Norte, em que narrava os acontecimentos do movimento de 1817 e a vida de André de Albuquerque Maranhão.
Em 1928, torna-se a primeira mulher a ingressar, aos 89 anos, no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, e no mesmo ano também integra o Instituto Histórico, Geográfico e Arqueológico de Pernambuco. Morreria pouco tempo depois, em 1933, mas ainda fora capaz de escrever os livros Rio Grande do Norte: noções históricas; e Resumo da História do Brasil.
Um mês antes de seu falecimento, Isabel Gondim estava organizando o lançamento do livro com seus poemas, o Lira Singela. O conteúdo dos poemas gira em torno de temas dedicados à Natal, à sua família, à pátria, à mulher e a própria biografia da poetisa, como um auto-retrato. Segundo o prefácio, ela havia preparado esse livro em 1912, porém ele ainda não havia sido publicado. No prefácio, a escritora solicitava às pessoas que aceitassem o exemplar do seu livro, mediante um pequeno pagamento, a fim de ajudar ao orfanato da cidade. Consta em seu testamento uma ajuda financeira para fundação e manutenção de um asilo de órfãos pobres, em idade escolar, de seis a oito anos, na vila de Paparí, cuja denominação será Asilo Isabel.
Para Saber Mais
Maria Arisnete Câmara de Morais. Isabel Gondim: uma vida pela educação.