Natal das Antigas

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Genealogia dos Bairros: Rocas

Por Prof. Matheus Barbosa e Prof. Dr. Lenin Campos Soares

A Limpa

O Bairro das Rocas está localizado na Zona Leste da cidade do Natal. Ele é o mais antigo dos bairros da cidade, depois da Cidade Alta e Ribeira, conhecido inicialmente como Limpa, pelo menos até 1877. Na região moravam raros pescadores e, é por causa deles, segundo Câmara Cascudo, que ocorre a mudança do nome. O nome Rocas provém do Atol das Rocas, região de pesca afamada no litoral potiguar. Com a expansão do porto da cidade, por volta de 1897, a região começou a crescer. Todos os empregados portuários, precisando viver próximo ao trabalho, impulsionaram o crescimento das Rocas. Os trabalhadores do porto ainda, em sua construção, deram um outro nome a Limpa, Montagem. Esse nome deriva de ser na região, a sombra das gameleiras que cresciam na Esplanada Silva Jardim, que as grandes estruturas de ferro para a construção do porto serem soldadas e montadas.

Construção do Canto do Mangue na década de 1940

Um outro elemento interessante, é que a região entre as Rocas e a Ribeira, hoje ocupada pela avenida Duque de Caxias e Eng. Hildebrando de Góis eram inundadas pela maré, isolando o bairro do resto da cidade por horas. É só no início do século XX que um novo projeto de urbanização tenta resolver esse problema. É essa nova cidade moderna e republicana, a chamada Belle Époque, que vê as Rocas se tornar um bairro periférico. Um destes importantes elementos de modernização instalados no bairro é a a Estrada de Ferro Central Brasil, que instala sua estação na Esplanada Silva Jardim, em 1911. A linha aqui conectava a capital a Ceará-Mirim, Nova Cruz, Lages e Angicos, entre outras cidades, é ela que usa a ponte de ferro sobre o Potengi. Essa medida trás grande mudança no povoamento do bairro, atraindo pessoas para viver por ali, e ampliando as possibilidades de emprego, graças aos novos armazéns e oficinas construídos ao redor da linha férrea, como a criação de sua feira livre, em 1928, pode atestar. Além desses fatores a construção da estação exigiu transformações na paisagem, foi realizada uma ampla terraplanagem, para a instalação dos batentes, alterando a área, facilitando assim a chegada de mais moradores e, principalmente, dos ferroviários.

Antiga Estação Central Brasil (hoje DNOCS)

No início do século XX, um dos grandes jornais potiguares da época, A Republica, assim se referia ao bairro: “moradores das Dunas do melhoramento do porto” , deixando claro que o bairro era visto como uma espécie de continuação do bairro da Ribeira, já que era lá que o porto ficava localizado. É somente aos poucos que a região vai ganhando o seu próprio nome: “No lugar Rocas”, “Roca de Frente”, “Roca de trás” até chegar de fato ao nome Rocas, sendo reconhecido como bairro no dia 30 de Setembro de 1947.

O bairro começou a crescer durante a década de 1940 e a Segunda Guerra Mundial, e a presença americana na cidade, tiveram grande impacto sobre ele. Com o aeroporto na Rampa, em Santos Reis, abrem-se estradas, calçadas com paralelepípedos, ligando o bairro a Ribeira e Petrópolis. Doações dos marinheiros e soldados americanos, por meio do padre Martin, capelão das tropas, levantaram a Escola e Ambulatório São João, em 1945.

A riqueza americana também deixou cicatrizes bem visíveis no bairro. A Favela do Maruim, a mais antiga da cidade, cresceu com os migrantes que vieram em busca do dólar americano. Entre o porto e a Rampa, em terreno público, estas pessoas, vindo tentar a sorte, construíram seus casebres. Inicialmente os moradores eram pescadores artesanais (a região é ocupada desde 1922, eles aparecem como a Colônia de Pescadores José Bonifácio), contudo conforme a presença americana cresce, mais pessoas se arriscam na região (considerada insalubre pois tem risco de alagamento com a invasão da maré). Após a saída dos americanos, os favelados permaneceram vivendo ali até 2009, quando ocorreu a primeira tentativa de desocupação da área, em que 180 famílias seriam realocadas, porém os baixos valores destinados pelo governo federal a compra dos imóveis, impossibilitaram a mudança. Em 2014, uma nova tentativa, o projeto Residencial São Pedro, um condomínio vertical, com 200 unidades, distribuídas em 25 blocos, localizado nas Rocas, levou quase todos os moradores para melhores condições de vida. A área antes ocupada pela favela, foi absorvida pelo porto, para sua ampliação.

Rocas 1940

As Rocas é um bairro rico em diversidade desde a sua criação. A diversidade religiosa, por exemplo, é encontrada em suas ruas desde muito cedo. Apesar dos católicos terem sido os primeiros a construir seus templos religiosos, tendo como umas das primeiras igrejas a da Sagrada Família, construída por uma congregação alemã em 1927, o bairro abraçou a Umbanda. A religião afro-brasileiria nasceu em 1908, no Rio de Janeiro, e chegou a Natal em 1944, com a Mãe Inês, vinda de Pernambuco, que abriu o Centro Espírita de Umbanda Redentor Aritã, junto com o babalaô João Cícero Herculano. Conta-se que filas se formavam, aos domingos, com mães trazendo seus filhos para serem curados; e mesmo os americanos que estavam na cidade, por causa da Segunda Guerra, não deixaram de se consultar com os caboclos e pretos-velhos. O segundo terreiro umbandista nasceu de um discípulo de João Cícero, o babalorixá José Clementino, em 1962, que abriu a Cabana Umbandista Pai Joaquim de Angola. É conectada ainda a umbanda que nasce em 1958 a primeira escola de samba do bairro, os Malandros do Samba.

Igreja da Sagrada Família (1980)

Na década de 1950, por sugestão do engenheiro João Galvão de Medeiros, diretor da estrada de ferro Sampaio Correia, Café Filho, então presidente do Brasil, após o suicídio de Getúlio Vargas, mandou construir nas Rocas a Vila Ferroviária, um conjunto residencial com 113 casas, além da praça Mestre Francisco Valentim. Esta construção finalmente saneou a parte baixa das Rocas, evitando as invasões do rio Potengy nos meses de inverno, construindo a balaustrada do Canto do Mangue.

Canto do Mangue - 1956 (Fonte: Biblioteca do IBGE)

Inúmeras outras obras também aconteceram no bairro, também por intervenção direta de Café Filho, como o prolongamento da Duque de Caxias e seu calçamento com paralelepípedo (e das ruas São João e Areal). Porém a obra mais importante deixada pelo presidente a construção do prédio do antigo IPASE (Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores) que tinha sete andares erguidos no cruzamento da Silva Jardim com a rua Almino Afonso. À sua época era considerado o mais moderno da cidade, com a construção em dois blocos, um composição que brinca com a geometria, as janelas em fitas e o uso do concreto armado.

Antigo IPASE (hoje Edifício Café Filho).

A década de 1960 é marcada pelo projeto criado pelo prefeito Djalma Maranhão que visava acabar com o analfabetismo na capital. Apesar de existirem escolas no bairro, como a Escola Paroquial Nossa Senhora do Rosário, de 1926; Escola Isabel Gondim, construída em 1934 pelo Interventor Mário Câmara; a obra de caridade, Irmã Vitória, que recebia crianças para suas primeiras letras desde 1939, a Escola Comunitária Leão XIII, de 1948; a educação era um problema crescente para a população do bairro.

E durante a campanha eleitoral, o futuro prefeito organizou comitês em cada bairro, buscando ver as principais necessidades de cada região da cidade, nestes encontros, os moradores das Rocas pediram por um melhor acesso à educação. Djalma Maranhão então implanta nas Rocas (e em outros bairros da capital) o “De pé no chão também se aprende a ler”, no qual a técnica de alfabetização proposta por Paulo Freire foi utilizada. Buscando atender as necessidades educacionais das Rocas, esse projeto trouxe galpões, feitos de madeira e com telhado de palha, com chão de terra batida, em que crianças e adultos, sem a necessidade de uniformes escolares, às vezes descalços, eram alfabetizados.

Construção dos galpões onde aconteceriam as aulas do De Pé No Chão Também Se Aprende a Ler.

O projeto era simples, mas eficaz, reduzindo consideravelmente o número de analfabetos no bairro. Os galpões foram transformados em escolas pelo governador Aluísio Alves, em 1963, nascendo a Escola Padre Monte, em 1965, o Grupo Escolar Café Filho, e pelo governador Walfredo Gurgel, em 1966, nascendo o Grupo Escolar Henrique Castriciano; como o antigo prédio da estação central se tornou a Escola Estadual Severino David, em 1967.

Faixa convidando as pessoas para as aulas do De Pé No Chão Também Se Aprende a Ler, nas Rocas (Foto: Natal Ontem e Hoje)

A década de 1970 observa o crescimento do turismo nas praias urbanas da capital, isso faz com que as Rocas também se torne famoso por seus bares e restaurantes como a Peixada da Comadre, criado em 1931; Casa da Mãe, de 1961, e a Carne Assada de Seu Lira, de 1989. O bairro também teve seu cinema, o Panorama, que funcionou até 1999, além da Sociedade Araruna de Danças Antigas e Semidesaparecidas, nome dado por Câmara Cascudo, em 1956, que mantinha seu salão de danças aberto no bairro, para ensaios de suas apresentações que aconteciam durante os festejos juninos. A decadência das Rocas se dá conforme Ponta Negra se eleva como novo centro turístico, retirando o lugar das praias centrais da cidade como atrativo turístico.


Para Saber Mais:

Aliny Pranto. De pé no chão também se aprende a ler: os acampamentos escolares e a sistematização de um projeto de educação popular (1961-1964).

Ciro Pedroza. Uma história das Rocas.

Geraldo Barboza de Oliveira Junior. A religiosidade afro-brasileira na história do Rio Grande do Norte no início do século XXI: intolerância contínua versus resistência crescente.

Itamar de Souza. Nova História de Natal.

Luís da Câmara Cascudo. História da cidade do Natal.

Marizo Pereira, Paulo Nobre, Camila Furukava e Aquiles Oliveira. Edifício do IPASE, em Natal-RN: “o mais moderno da cidade”, em 1955.