1817: Quando Natal Se Separou Pela Primeira Vez Do Brasil
Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares
Em 6 de março de 1817, no Recife, rebentou uma revolução. Segundo Câmara Cascudo, a mais linda, inesquecível, arrebatadora e inútil das revoluções brasileiras. Mas vamos começar pelo começo. Com a chegada da família real portuguesa no Brasil, em 1808, o Brasil perdeu seu status de colônia sendo elevado a mesma categoria que Portugal, o império torna-se Portugal, Brasil e Algarves. Essa medida tinha como um de seus objetivos enfraquecer o sentimento de emancipação que se espalhava pelos súditos brasileiros, como explicam Luiz Eduardo Suassuna e Marlene Mariz. Porém, para o Nordeste, e em especial as províncias de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, tal tentativa não surtiu muito efeito. A Corte em Portugal ou no Rio de Janeiro não fazia muita diferença para a poderosa elite que ainda se sentia excluída do jogo político.
Quando essa elite ainda se viu tendo que pagar mais impostos, para as campanhas contra Napoleão nas Guianas, em 1812, e tendo que enfrentar os problemas sociais de uma seca que se estendeu até 1816, o terreno se tornou fértil para as ideias liberais que circulavam na Europa e estimulavam as independências em todos os países latino-americanos. Discutia-se, sobretudo, o estabelecimento de uma república democrática. O que não era bem visto pelos representantes da Coroa, tanto que por discursar em defesa da independência, o capitão José Barros de Lima recebeu ordem de prisão do comandante Barbosa de Castro. O capitão, no entanto, reagiu e matou à golpes de espada o comandante. Era o estopim da revolta. Os militares rebelaram-se e renderam o governador pernambucano, Caetano Montenegro. Em Pernambuco, o movimento contava com o apoio de comerciantes, grandes proprietários de terra, militares e religiosos, como o Frei Caneca e o potiguar Padre Miguelinho.
Eles estabeleceram então um governo provisórios que enviou a todas as comarcas das capitanias de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte o convite para em 29 de março organizar-se uma assembleia constituinte, que estabeleceu as novas regras para o governo do novo país. O convite chegou ao Rio Grande do Norte e foi rechaçado pelo governador José Inácio Borges. Tavares de Lira informa que Borges divulgou uma proclamação que fez circular em todas as comarcas de sua jurisdição condenando a revolução pernambucana e incitando a fidelidade norte-rio-grandense ao rei português. Nas palavras do governador:
“vos declaro que estão acabadas as nossas relações, e correspondências com todo e qualquer governo e autoridade levantada atualmente em Pernambuco, enquanto não nos constar que um general ou outro legítimo delegado de sua majestade restabelece ali a sua soberania, reclamando de vós o solene juramento de fidelidade que tendes prestado, e que tem sido sancionado pela nossa santa religião”.
Ao saber da adesão paraibana à revolução, em 13 de março, Borges agiu. Ele mandou armar os indígenas de Extremoz, convocou os capitães-mores de Arez e Vila Flor e ordenou que André de Albuquerque Maranhão, senhor do engenho de Cunhaú, e comandante das tropas no distrito sul da capitania reforçasse o guarnecimento da fronteira com a Paraíba. No entanto, quando as ordens chegam ao comandante, este já estava hospedando em sua casa o seu amigo íntimo, ex-vigário da paróquia de São José de Mipibu, o padre João Damasceno Xavier Carneiro, o secretário do governo provisório.
A seca resposta do capitão-mor André de Albuquerque Maranhão ao governador deve tê-lo deixado preocupado, tanto que dez dias depois ele resolveu ir pessoalmente observar as tropas aquarteladas na fronteira sul da capitania. Cascudo afirma que José Ignácio Borges confiou muito na sua estrela. Tavares de Lira diz que é um ato imprudente e leviano. Mas, de fato, ele cavalgou até São José do Mipibu acompanhado apenas de seu secretário, Manuel José de Morais, e de um pajem. Ele encontrou-se com o capitão-mor no dia 24, a tarde, conversaram das três as cinco. E André de Albuquerque Maranhão reafirmou seu compromisso na defesa da fronteira. O governador, tranquilizado, retornou para a capital, porém resolveu pernoitar no engenho Belém, pertencente ao primo do capitão-mor , Luís de Albuquerque Maranhão. Nesta noite, na verdade às 4 horas da manhã, incentivado pelo padre de Goianinha, Antônio de Albuquerque Montenegro, André cercou a casa do irmão, invadiu e aprisionou o governador, que foi enviado, a ferros, à Paraíba.
André de Albuquerque Maranhão chegou a Natal quatro dias depois, acompanhado de um regimento militar reforçado por tropas paraibanas, marcando triunfalmente, mas só instalou em 29 de março o novo governo republicano, tornando-se o primeiro presidente do Rio Grande do Norte. Como dizem Luiz Eduardo Suassuna e Marlene Mariz, excetuando o envio de pequenos contingentes armados às vilas e povoações próximas a Natal para obriga-las a aderirem ao governo revolucionário, desconhece-se outros atos de André de Albuquerque na presidência. Porém isso pode ser porque a duração do seu governo não foi nem de um mês, de 29 de março a 25 de abril.
Alguns historiadores afirmam que foi a queda de Pernambuco que levou ao fim do governo republicano no Rio Grande do Norte, mas a queda aqui acontece antes. Em 25 de abril (o governo pernambucano se mantém até maio), as tropas paraibanas, lideradas pelo jovem capitão-mor José Peregrino Xavier de Carvalho, que davam apoio a republica norte-riograndense voltaram a Paraíba. Mal o Sol raiou, os conspiradores, que já planejavam o ataque desde 2 de abril, já se preparam para destituir o presidente. As nove badaladas do sino da matriz, os capitães Antônio José Leite Pinho, José Alexandre Gomes de Melo, Francisco Felipe da Fonseca Pinto e Alexandre Feliciano Bandeira invadiram o palácio aos gritos de “Viva El Rei!”. André de Albuquerque foi encontrado à mesa de despachos, surpreso, ainda tentou reagir, mas foi ferido na virilha pela espada de Antônio Pinho.
Ferido, ele foi levado para a Fortaleza dos Reis Magos aonde foi abandonado para morrer em uma cela. Pediu água e foi-lhe negado, Pediu um travesseiro e enviaram-lhe uma pedra. “Isto é travesseiro de patriota, pedreiro-livre”, uma piada com a participação de Albuquerque na maçonaria. Conta Cascudo que somente o soldado Inácio Manoel de Oliveira compadeceu-se do moribundo, trouxe-lhe água, uma muda de roupa para servir-lhe de apoio para cabeça e uma esteira para protegê-lo do chão frio. No dia seguinte, seu corpo foi transferido para ser sepultado na matriz por insistência do vigário, mas ele ainda foi carregado nu e algemado. A cena foi tão dantesca que uma das senhoras da cidade, ao ver passar o corpo fez parar o cortejo (quem conta esse causo é Cascudo). “Dona Rita Coelho, dona de casas e de escravos, teve coragem de deter a escolta militar, diante de sua residência (rua Coronel Bonifácio) e enrolar o defunto com uma esteira nova de piripiri”. Tinha 42 anos quando foi sepultado num túmulo sem lápide dentro da matriz. Seu assassino ganhou os galões de tenente-coronel.