História da Arte Potiguar: A Pintura Nova
Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares e
Profa. Suzane Corsino
O Movimento Moderno, ou Modernismo, se inicia no Brasil na década de 1920, e tem como seu principal marco a Semana de Arte Moderna que tinha como principais características o abandono do academicismo, em especial do realismo figurativo (fazer pinturas que representassem com exatidão o que se vê, como uma fotografia), mas também as referências estrangeiras. O academicismo pedia que se pintassem deuses gregos, paisagens europeias, tipos estrangeiros. Tudo isso é renegado por artistas como Tarsilla do Amaral. Di Cavalcanti, Cândido Portinari e Anita Malfatti, estes queriam pintar as paisagens brasileiras, os mestiços, escrever com os regionalismos, cantar as músicas folclóricas.
Isto influenciou muitos artistas de diversas regiões brasileiras. A mudança das técnicas e especialmente do modelo, deu um novo horizonte a arte brasileira, incluindo a potiguar. Os artistas passaram a mostrar as belezas regionais, os tipos, as pessoas, com suas características próprias; mas também as paisagens, as plantas típicas, os animais. O que determina o moderno é nem tanto uma forma específica de fazer, mas um jeito novo de olhar para o que é nosso.
Erasmo Xavier
Este artista é considerado um percursor do modernismo no Rio Grande do Norte. Nascido em Natal, em 1904, ele já era famoso no Rio de Janeiro, mas aqui acabou desenhando as capas da Revista Cigarra quando retornou para viver no Rio Grande do Norte, em 1928, para tratar de uma tuberculose, que acabou ceifando sua vida com apenas 26 anos. A revista durou cinco edições e todas as capas foram desenhadas pelo cartunista. No Rio de Janeiro, Xavier desenhou para revistas importantes como Malho e O Cruzeiro.
“Erasmo Xavier não era apenas modernista, no que se referia ao modernismo engendrado e articulado no Brasil, mas talvez um dos precursores do construtivismo no país. Esta corrente, o construtivismo, foi fundada na Rússia nos anos 20 e 30 por Alexander Rodchenko, que além de artista gráfico era também pintor abstrato, fotógrafo, escultor, arquiteto e designer. Após a Revolução Russa, Rodchenko fez várias capas importantes para os principais jornais e revistas bolcheviques na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, além de ser responsável pelos museus e escolas de arte daquele país. Como a sua arte era engajada, Rodchenko influenciou vários artistas mundo afora” (NEVES, 2020).
Newton Navarro
Newton Navarro Bilro nasceu em Natal, em 1928, era filho de Elpídio Soares Bilro e Celina Navarro Bilro. Foi dramaturgo, poeta, porém se destacou como pintor e desenhista. Ele morreu em 1992 e, depois, por insistência da Academia Potiguar de Letras, teve a Ponte de Todos, na foz do rio Potengy, rebatizada como Ponte Newton Navarro.
A formação de Navarro passa pelos seus estudos em Recife e no Rio de Janeiro. Na capital pernambucana, ele foi aprendiz nos ateliês dos artistas Aldemir Martins e Hélio Feijó, também foi discípulo de Cícero Dias, que havia retornado da Europa e estava revolucionando as artes plásticas pernambucanas com sua pintura abstrata. Em uma entrevista dada pelo artista ao jornal A República, em 1976, ele afirmou que a sua estadia no Recife fora a mais importante em sua formação. Na capital carioca, ele estudou na Escola de Belas Artes, aonde foi aluno de Osvaldo Goeldi. Retornou para Natal, em 1948, onde organizou sua primeira exposição. O show durou quatro dias (entre 28/12 e 01/01), na Sorveteria Cruzeiro, e foram 57 obras (18 aquarelas, 10 desenhos a bico de pena, 20 estudos a nanquim, 5 estudos a carvão e 4 pinturas a óleo) que chocaram profundamente os natalenses.
Seus principais temas eram a praia da Redinha, o rio Potengy e seus pescadores, além da Ribeira e o bairro de Santos Reis. O sertanejo também é uma figura comum no trabalho de Navarro. “Minha temática é o nordeste”, dizia ele. Estes temas, no entanto, aparecem nas obras de Navarro de várias formas. Ao contrário de muitos pintores do mundo que podem ser facilmente definidos como pertencentes uma escola, Newton Navarro passeia com a mesma habilidade pelo expressionismo, cubismo e surrealismo, durante sua primeira fase (da década de 1950 a 1980), o estilo de sua pintura mudava pelas influências que o artista recebia (André Lhote, por exemplo, tem grande peso em seus quadros cubistas, já Chagall aparece bastante em suas experiências surrealistas), os historiadores acreditam que ele estava assimilando a linguagem moderna. Porém, a partir de 1980, os historiadores da arte costumam classificar como fase madura do artista e aqui a comparação com Portinari se torna bastante evidente.
Dorian Gray
Nascido em 1930, em Natal, Dorian Gray Caldas é considerado um dos grandes artistas modernistas potiguares. Filho de Elói Lins Caldas e Nympha de Carvalho Rabello. Ele começou no desenho e na pintura, mas foi como pintor muralista e ceramista, utilizando a cerâmica para compor mosaicos, que ele ganhou profundo destaque. Ele também trabalhou com tapeçaria, sendo muito interessante que este acabou se tornando seu principal meio de sustento desde a década de 1970, porém ele atuou também como assessor na secretaria de cultura do Estado, entre 1967-68, mesma época que era diretor do Teatro Albuquerque Maranhão, também atuou na direção do Museu de Arte e História, em 1969, e depois, passou a trabalhar na Fundação José Augusto, a partir de 1974.
Com grande relação com a arte devido sua família (um tio era artistas plásticos, Moura Rabello, e o outro, era poeta e trovador, Luiz Rabello), ele conta que preferia, desde a infância, ficar desenhando às brincadeiras, e, por isso, ao contrário da maioria dos artistas de sua época, ele não se interessou em fazer um curso de medicina ou direito. Ele dizia que só se interessava em aperfeiçoar sua arte. Seu primeiro contato com a arte moderna veio a partir de revistas ilustradas francesas que lhe eram cedidas pelo seu amigo, Geraldo Carvalho. Foi através deste material que ele conheceu Monet, Manet, Cezánne, os impressionistas; e a abstração de Modigliani.
Sua jornada na área artística foi cheia de parcerias que ajudaria na sua consolidação na sociedade potiguar. Ele emergiu como artista em 1950, no I Salão de Arte Moderna, organizado por ele ao lado de Newton Navarro e Ivon Rodrigues de Albuquerque, para “retomar o processo artístico no Rio Grande do Norte”. Participaram também Zila Mamede, Geraldo Carvalho, Aluízio Furtado, Luiz Carlos Guimarães, Luiz Rabelo, entre outros. O salão, que incluía artes plásticas (Navarro apresentaria 3 quadros a óleo e 9 estudos a carvão; Dorian, 14 trabalhos a carvão e 2 em nanquim; e Ivon, 19 quadros a óleo), poesia e música, aconteceu numa Natal completamente transformada pelo fim da Segunda Guerra Mundial, de grande conflito entre a influência americana que havia mudado hábitos. Criticava-se o apelo que elementos estrangeiros, como palavras em inglês e cartões de natal com pinheiros e flocos de neve, tinham na cidade. Estes artistas preferiam olhar para o que era regional, para os folguedos tradicionais e o folclore.
O convite do Salão foi publicado pelo jornal “A República”, lá estava toda a programação que aconteceria no dia 04 de março, na sede da Cruz Vermelha. A crítica, no dia seguinte, se assentava mais no elogio e encorajamento, em especial a Navarro, do que falava sobre as obras. Era como se o jornal quisesse estimular para que aqueles artistas continuassem criando aqueles eventos. Pouco, no entanto, se falou sobre a reação que as pinturas causaram nos apreciadores. Sobre Dorian, diz o jornal:
“Dorian é o mais moço de todos eles e nos parece o mais avançado para o abstracionismo. Olhando algumas de suas composições e comparando-as com Portinari, temos a impressão que o famoso pintor moderno brasileiro, diante de Dorian Gray, é o mais acadêmico dos artistas” (MELLO, Veríssimo de. A República. 12/03/1950).
Com este elogio, a carreira de Dorian Gray decola. Ele começa a ilustrar a Revista das Letras, editada por seu amigo, Geraldo Carvalho, que, inclusive, em 1952, fez uma entrevista com ele, quando este realizou sua primeira exposição individual. Um elemento interessante desta entrevista é que o editor usou aquela edição como um manifesto contra a tradição academicista que persistia em Natal com suas “indefectíveis naturezas mortas e paisagens mal acabadas”. A Revista das Letras exaltava os “novos” que estariam atuando em todos os setores da vida cultural potiguar., sendo Navarro e Dorian, seus arautos.
O periódico ainda comentava sobre a má acolhida das pinturas de Dorian Gray na cidade. O abstracionismo, que se tornava uma das principais características das obras do artista, era rejeitado pelo público natalense, argumentava-se que ninguém entendia suas obras, e isto teria criado uma onda de suspeita contra o pintor. Apresentava-se assim a dificuldade de consolidar um movimento modernista em Natal.
No entanto, em 1955, novamente ao lado de Newton Navarro, eles organizaram o II Salão de Arte Moderna, que se deu no Centro Social Divina Providência, espaço da Arquidiocese de Natal, na Praça Pio X. O evento foi comemorado pela imprensa local, que produziu uma série de reportagens apresentando os artistas a sociedade natalense. Dorian Gray foi o personagem das duas últimas reportagens da série. Nelas o jornalista Veríssimo de Melo fez questão de afirmar que o artista não tinha, na cidade, o reconhecimento que merecia. Ele apresentou 15 quadros desta vez (06 composições abstratas, 05 marinas, 3 paisagens e 1 tema de carnaval), Navarro expôs 17 quadros (05 quadros com temas sertanejos, 4 marinas, 3 paisagens natalenses, 1 natureza morta, 1 quadro inspirado em Matisse e 3 temas japoneses). O professor Alvamar Furtado de Mendonça, professor de História do Atheneu Norte-Riograndense abriu o evento com uma palestra sobre a significação da arte moderna para o patrimônio histórico e artístico nacional.
A imprensa conta que o evento foi um sucesso, e registra a compra pelo governador Sílvio Pedroza de duas marinas, uma de Dorian Gray e outra de Navarro, com o nome Areia Preta. Contudo, entendemos, que houve um certo comprometimento dos artistas modernos para agradar ao público. A pintura de marinas, que são quadros que retratam praias, jangadeiros e pescadores, além de paisagens do rio Potengy, se tornou bem comum, e elas agradavam nas exposições. Luís da Câmara Cascudo, meses depois, encomendou um quadro a Dorian Gray, O Cangaceiro, isto representou-lhe uma aceitação definitiva de sua produção artística pela elite potiguar.
Em 1956, numa exposição individual na Loja Maçonica 21 de Março, Dorian Gray apresentou suas primeiras cerâmicas (18 peças), além de 3 esculturas e 14 marinas. Sua aceitação pela sociedade aparece impressa na crítica de Aderbal de França no jornal O Poti, em que ele afirmava que “homens de cultura, talento e sensibilidade” exaltariam com entusiasmo a obra do artista. Isso fez com que sua obra, e também de outros artistas modernos, passasse a ser cobiçada, especialmente seus mosaicos cerâmicos.
Para Saber Mais:
Alfredo Neves. Erasmo Xavier, um artista construtivista.
Angela Almeida. Newton Navarro: os frutos do amor amadurecem ao sol.
Isabel de Carvalho. Revista Cigarra: cenário social de Natal nos anos 1920.
Isaías Ribeiro. Murais modernos de Newton Navarro e Dorian Gray.
Elizete Arantes Filha. Newton Navarro: artista potiguar que virou ponte
Rômulo Medeiros. Erasmo Xavier e sua arte modernista para a revista Cigarra (Natal-RN, 1928-1930)