O Nascimento do Historiador Profissional no Brasil
Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares
Neste dia 17 de agosto foi derrubado o veto do presidente Jair Bolsonaro sobre o projeto de lei 368/2019, do senador Paulo Paim (do PT-RS), que regulamentava a profissão de historiador. O veto havia sido assinado pelo presidente da república em 27/04, integralmente, sob o argumento que esta lei impediria a livre circulação de ideias, que a lei seria inconstitucional porque seria contra a liberdade de pensamento, e agora o Senado Nacional derrubou o veto com apenas um voto contrário (do Partido Novo).
A discussão, que começou em 2009, na diretoria do prof. Durval Muniz de Albuquerque da Associação Nacional de Profissionais de História, foi encabeçada pela ANPUH-RS que se aproximou do senador Paulo Paim e o ajudou a escrever a minuta do projeto. Não foi o primeiro a ser apresentado, muitos não passaram pelas comissões da Câmara de Deputados, desde 1979 proposições foram enviadas, barradas e engavetadas. Os projetos tiveram muitos opositores, desde sempre. Em janeiro, quando este atual projeto, foi primeiramente apresentada e aprovado no Senado, a a Veja escreveu um artigo rancoroso, em que argumentava-se que a liberdade estava sendo ameaçada, que evocava um corporativismo que queria controlar a produção de História no país. Este argumento não faz sentido: na biologia, na psicologia, na sociologia ou na medicina, a regulamentação destas profissões não impediu de forma alguma a liberdade e nem controla o conhecimento nestas áreas do saber.
O projeto prevê que o exercício da profissão está assegurado aos formados nos cursos de Graduação em História (licenciatura e bacharelado) e em pós-graduação em História (mestrado e doutorado), no Brasil e no exterior, mediante revalidação nacional. O projeto, como é de praxe, garante que aqueles que estavam trabalhando como historiadores desde 2015 possam continuar como historiadores, apesar de não terem sido formados nos cursos de História. A lei também determina o que é um historiador e qual a sua área de atuação. Segundo o texto da nova lei cabe ao historiador ensinar História no ensino médio e fundamental (no projeto inicial também se incluía as disciplinas ligadas a História nos cursos universitários, mas isso caiu na versão final); a organização de publicações relacionadas a História (livros, livros didáticos e revistas), além de exposições e eventos; planejamento, implantação e direção de serviços de pesquisa histórica e assessoramento de serviços de conservação e manutenção de documentação histórica (arquivos, centros culturais, museus e empresas que lidam com a guarda de documentos); além de elaboração de pareceres, laudos e projetos sobre o patrimônio histórico brasileiro (empresas que, por exemplo, lidam com arquitetura e urbanismo, precisarão contratar historiadores para seus quadros). A lei ainda institui, em seu Artigo 7º que os historiadores terão que ter um registro profissional, que provavelmente ficará a cargo da ANPUH.
Percebemos o quão inofensivo o projeto é quando o lemos, porém, apesar disso, ele demorou 41 anos para ser aprovado, e não consigo não perguntar: a quem, que força política, esse projeto incomodava tanto para ele não conseguir ser aprovado? Por que Jair Bolsonaro o vetou? O que ele ou seus aliados ganham com isso? Hoje, na Era do Negacionismo Histórico, será que eles temem que com isso se tornem incapazes de manipular a História ao seu bel prazer? Será que os grandes da exploração imobiliária temem que os historiadores tenham mais força agora para proteger o patrimônio histórico? Será que aqueles que querem ver os seus crimes do passado esquecidos entre as eleições tenham medo de profissionais cuidando de centros de memória? A pergunta que não quer calar é a quem a regulamentação da profissão de historiador ofende tanto?