E Quando Natal Foi Um País Comunista

Casa do Estudante Metralhada

Casa do Estudante Metralhada

Tudo começou alguns anos antes no Alto Oeste, sobretudo nas regiões salineiras, quando influenciados pela presença dos funcionários ingleses da Great Western (a empresa ferroviária que era responsável pela construção de ferrovias no estado nas primeiras décadas do século XX), os salineiros entraram em greve. A repressão dos interventores indicados pela ditadura Vargas foi intensa e isso incitou a formação de um grupo paramilitar que ficou conhecido como a Guerrilha do Salineiro. Este grupo foi criado com a expectativa de, quando o Partido Comunista do Brasil ordenasse a revolução no país eles poderiam agir. Eram liderados pelos salineiros Manoel Torquato e Joel Paulista, além dos professores Miguel Moreira e Jonas Reginaldo, que eram ligados diretamente a coordenação do PCB. A Guerrilha manteve-se ativa realizando saques a fazendas, roubando dos ricos, e organizando comícios no qual falavam sobre o ideal comunista e distribuíam os frutos dos saques aos pobres. Isso irritou profundamente os coronéis da região. Batalhas com a Guerrilha se deram em Açu, Santana dos Matos, Mossoró e Macau.

Em Natal, o movimento comunista agia também, mas de forma diferente. Os sindicatos na capital tinham mais liberdade. As células comunistas eram coordenadas pelo professor Raimundo Reginaldo, irmão de Jonas Reginaldo que coordenava a guerrilha no interior do estado, e pelo funcionário público Lauro Lago, e tinham como principal centro o 21º Batalhão de Caçadores (21º BC), ela era divulgada sobretudo entre os jovens tenentes e as patentes militares mais baixas. Era divulgado aqui, sobretudo, as instruções da III Internacional Comunista, que havia enviado Luis Carlos Prestes como seu porta-voz ao Brasil. Contudo, graças a atuação de Prestes e sua crescente popularidade, Getúlio Vargas, em abril de 1935, proibiu Aliança Nacional Libertadora, uma frente de esquerda composta por setores anti-imperialistas, antifacistas e anti-integralistas da sociedade brasileira da década de 1930. Isso estimulou a radicalização comunista que passaram a acreditar que somente derrubando Vargas poderiam salvar o país de uma ditadura.

A organização da revolução era nacional, porém os potiguares tomam a frente e não esperam o comando nacional. As interpretações de porque isso acontece são inúmeras, mas o que sabemos de fato é que em 22 de novembro de 1935, uma sexta-feira, após o General Manoel Rabelo, comandante da 7ª Região Militar, no Recife, despedir vários membros do 21º BC por falta de disciplina, alguns militares pegaram em armas e renderam seus superiores em nome de Luiz Carlos Prestes e da Komitern, as 19:30h daquele dia. Liderados pelo sargento Quintino Clementino de Barros, eles marcharam para o Teatro Carlos Gomes (atual Alberto Maranhão), aonde a elite potiguar, junto ao governador Rafael Fernandes, estava reunida para a formatura dos alunos do Colégio Santo Antônio. Os revolucionários, no entanto, não rendem os governantes da cidade, o governador, por exemplo, fugiu e se escondeu na casa de um amigo, Xavier da Miranda; e Gentil Ferreira, prefeito de Natal, abrigou-se com correlegionários na casa do sr. Amador Lamas. Mas  mesmo assim eles conseguiram tomaram o poder estabelecendo na capital uma junta governativa chamada de Comitê Popular Revolucionário, na Vila Cincinatti, a residência oficial do governador, situada na Praça Pedro Velho, tendo o Raimundo Reginaldo como presidente da Junta; Lauro Lago, Secretário de Interior e Justiça; José Praxedes, Secretário de Abastecimento; Sgt. Quintino de Barros, Secretário de Defesa; João Galvão, Secretário de Viação; José Macedo, Secretário de Finanças e Amélia Reginaldo, filha do presidente, secretária. A única resistência se deu no quartel de polícia, na atual Casa do Estudante, sob a liderança do chefe de polícia, João Medeiros, e o delegado auxiliar, Genésio Lopes, onde contam nossos grandes historiadores que resistiu heroicamente o soldado Luiz Gonzaga, que morreu fuzilado pelos insurretos comunistas. A resistência policial  dura até a tarde do dia seguinte, no sábado as 14h, quando sem munição, os policiais militares se rendem, mas os oficiais fogem escapando pelas margens do rio Potengi, atravessando-o a nado para a Redinha.

Além dos militares, o apoio do Sindicato dos Estivadores foi também importante para a tomada da cidade. João Francisco Gregório, presidente do sindicato, foi encarregado de tomar o porto, impedindo a saída de qualquer embarcação, não sem antes impedir que algumas famílias ricas da cidade fugissem de navio, como o próprio governador. Eles também tomaram a estação radiotelegráfica para impedir que se pedisse socorro ao Rio de Janeiro.

No dia seguinte três colunas saíram para o interior: uma para Mossoró, outra para Goianinha e uma terceira para Nova Cruz. Elas anunciavam a revolução e tomavam as cidades conforme avançavam. Somente aquela que se dirigia a Nova Cruz enfrentou alguma resistência por parte dos jagunços do coronel Dinarte Mariz. Antes do segundo dia de movimento, 17 dos 41 municípios do estado já haviam aderido ao movimento. O primeiro ato do governo revolucionário foi extinguir a cobrança pelo transporte coletivo, extinguindo as tarifas dos bondes. A segunda ação foi o saque do dinheiro depositado nas agências do Banco do Brasil que foi distribuído igualmente para toda população da cidade. A terceira foi a ordem para que os comerciantes não estocassem produtos para, artificialmente, aumentarem seus preços, sob pena de confisco de produtos, como também a regulação/diminuição do preço de gêneros básicos como o pão. E um novo jornal foi impresso, A Liberdade, que foi distribuído gratuitamente para que todos pudessem acompanhar o que estava acontecendo.

Contudo, os outros levantes pelo países não são tão frutuosos como em Natal. Os revolucionários de Recife, Paraíba e Rio de Janeiro não tem o mesmo sucesso que os potiguares. Com isso a esperada adesão dos outros estados nordestinos não era mais garantida. O governo federal envia então, após cinco dias, em 27 de novembro de 1935 tropas paraibanas para Natal. O exército brasileiro invade a cidade e expulsa os comunistas. Seus lideres reúnem o pouco dinheiro que arrecadaram, que havia sido retirado do Banco do Brasil e outras instituições públicas, e fogem. Apenas dois escaparam sem serem presos, Giocondo Dias (que permaneceu escondido até 1936) e José Praxedes (que somente em 1984 foi localizado). Os soldados se refugiaram na Serra do Doutor, no município de Campo Redondo, no Agreste Potiguar. Eles acreditavam que de lá poderiam se reorganizar para tomar de volta sua posição na capital.  Contudo foram capturados antes disso e trazidos para as celas da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS).

 

Para saber mais:

Homero Costa, A insurreição comunista de 1935: Natal – o primeiro ato da tragédia.