Genealogia dos Bairros: Areia Preta
Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares e Profª Ruth Steff Correia
“Nella criam-se amores, e se dissipam ciúmes... Menina de uma ingenuidade adorável ou de uma malicia dançando no mysterio dos olhos lá estão, nos mallots modernos enchendo de graça de expansiva os contornos poéticos e a areia tépida da formosa praia de Natal... Areia Preta já entrou no período de novas conquistas... para a delicia dessa terra de moças adoráveis, de cavalheiros gentis, de sol poetizando a praia, corando com suas chammas os rostos e braços das banhistas”.
(Cigarra, ago:1929, mantivemos a grafia do período)
A região tem como limites a Ponta do Morcego que divide o bairro do seu vizinho Praia do Meio, seu nome tem origem nas pedras de material ferruginoso de cor escura que estão salpicadas na areia da praia. Era, até 1920, uma aldeia de pescadores, bastante isolada dos outros bairros. Contudo, em 1908, ela foi oficializada como praia oficial da cidade, ou usando termos da época balneário público. É importante explicar isso: até o início do século XX, as pessoas não tinha o hábito de tomar banho de mar. Antes, somente pessoas doentes tomavam iam à praia, era um tratamento para diversas doenças, conhecido como talassoterapia, que servia especialmente para aquelas de pele e respiratórias. No entanto, no início do século passado, acontece uma transformação radical. As pessoas agora procuram a praia para se divertir.
“Houve uma mudança de comportamento à beira-mar. No princípio ia-se à praia somente antes do nascer ou no pôr do sol, por período breve, e muitas vezes sem imersão na água, apenas para respirar o ar salino; usavam-se roupas grossas e compridas para esconder o corpo e não bronzeá-lo. Com o tempo já se percebe uma evolução nas vestimentas: maiôs e biquínis para os banhos e trajes apropriados para o footing à beira-mar.” (Joana Schossler)
A procura pelo balneário se torna tão popular que já em 1914, a administração municipal chamada de Intendência, sob presidência de Joaquim Manoel Teixeira de Moura, construiu uma estrada ligando a aldeia de pescadores à cidade. Em 1915, uma linha de bonde levava os banhistas para a praia. Câmara Cascudo afirma que nos anos seguintes os pescadores logo começaram a vender seus ranchos e várias casas de veraneio começaram a ser erguidas diante da praia. Em 1925, Omar O’Grady expande a Avenida Circular até aonde se iniciaria a Via Costeira (no futuro).
É bem interessante porque o século XX, em si, traz uma nova ideia de modernizar o país. E toda essa nova vivência diante do mar traz uma transformação também para os corpos das pessoas. A nova ideia agora, ser moderno, significava que os jovens deviam ser saudáveis e bronzeados, que deviam fazer exercícios físicos na água, como remo e natação, e também usar novas roupas que podiam expor esse “corpo moderno”. O maiô faz sua estreia em Areia Preta. Ser moderno combinava com a praia. E isso também vai aparecer na arquitetura das casas de veraneio. A poetisa Palmyra Wanderley, na década de 1930, chama a praia de “flor do verão” e a descreve como cosmopolita.
No ano de 1943, temos a primeira ação na praia para conter o avanço do mar. Uma barreira é construída pelo governador Rafael Fernandes Gurjão, com cerca de 160 metros de extensão. A praia também é invadida pelos americanos, que ocupavam a cidade, graças a Segunda Guerra, e, são eles, que batizam o trecho final de Areia Preta, aonde costumavam ficar, de Miami Beach.
Em 1945, é construída a Capela Escola São Francisco de Assis, patrocinada pelos noelistas. Este era um grupo católico, surgido na França, que pautava sua fé em obras assistencialistas, o nome vem da revista que eles publicavam, Le Noel. A inauguração do templo teve a presença do monsenhor José Alves Landim, além do interventor, o Desembargador Miguel Seabra Fagundes, o prefeito Mario Eugenio Lira e professor Severino Bezerra de Melo. A esta época, os ônibus da companhia Força e Luz também já chegavam a praia, demonstrando como ela continuava sendo popular.
No entanto, vejamos a descrição que Sylvio Pedroza faz da cidade:
“Eu não podia entender na década de 40 que Natal plantada sobre as dunas, entre o oceano e o rio Potengi, vivesse de costas para o mar, afastada do seu fascínio. Havia acesso a apenas duas praias: a do Meio, ou do Morcego, a que se chegava por uma ladeira, e a Areia Preta. Na margem esquerda do Potengi, a Redinha com único e precário acesso pelos velhos e líricos botes à vela, que saíam do Canto do mangue. Isto mesmo apenas no período do verão, pois no resto do ano ficavam ignoradas como se esta não fosse a cidade ensolarada, aberta à carícia marítima em todas as estações.” (Sylvio Pedroza).
Por causa disso, o governador iniciou uma série de melhorias no bairro com o objetivo de atrair os olhares dos natalenses para as praias. Pedroza, em 1956, em uma grande obra de reurbanização, constrói a Via Costeira (que vai receber o seu nome Avenida Sylvio Pedroza), conectando Areia Preta com Ponta Negra. Dentro desta obra também tivemos a construção de uma nova barreira contra o avanço do mar, além do calçadão com balaustrada presente na praia e a Praça da Jangada. Foi parte da obra de Predroza a construção de um trampolim, a partir do qual os banhistas podiam mergulhar no mar. Este ficava já na divisa entre a Praia de Miami e de Areia Preta. A lembrança deste trampolim não é das mais agradáveis na memória popular, inúmeros acidentes fatais se deram com os mergulhadores que saltavam daquele ponto. Isto exigiu que em 1959, o prefeito José Pinto Freire, instalasse um posto de salvamento na praia, o qual era gerido pela Polícia Militar.
A partir da década de 1960, como fala Raimundo Arrais, as praias potiguares são divulgadas agora como “banquetes tropicais”. É dessa época que nasce o apelido “cidade do Sol”, em 1968, por exemplo. E Areia Preta é divulgada como o grande destino turístico e o bairro começa a atrair agora restaurantes, boates e uma agitada vida noturna. Uma nova reurbanização ocorre na década seguinte para adequar a região aos turistas.
É na década de 1980 que o bairro começa a sofrer uma verticalização. Eleito como região nobre da cidade, Areia Preta começa a ganhar arranha-céus de frente para o mar que são ocupados pela elite potiguar. Inclusive, por ser o local onde primeiro estes prédios se ergueram, o adensamento, a proximidade entre os prédios, é algo que causou imediatos problemas para a população de toda a cidade, não apenas os moradores locais. A experiência e a história de Areia Preta deveria ser levada em consideração. O adensamento de prédios afastou os banhistas da praia, que agora fica sombreada depois das 14h. Com isso, toda a economia que era baseada nos frequentadores foi colapsando. Com o tempo, Areia Preta então perdeu seu status de balneário turístico para Ponta Negra exatamente por causa da ambição imobiliária.
Para Saber Mais:
Alenuska Andrade, Márcia Marinho, Raimundo Arrais. O corpo e a alma da cidade: Natal entre 1900 e 1930.
Itamar de Souza. Nova História de Natal.