Genealogia dos Bairros: Quintas

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares

Lavadeiras no Riacho das Quintas



O bairro que surgiu como uma continuação do Alecrim tem seu nome relacionado as granjas que se instalaram na região desde 1717. A primeira destas quintas foi o terreno doado a Antônio da Gama Luna e sua esposa, Maria Borges. Em 1731, segundo Câmara Cascudo, a região de Antônio da Gama já era conhecida como Quinta Velha, enquanto novas quintas surgiram ao seu redor. Uma dessas novas propriedades era do capitão Pedro Gonçalves da Nova, pelo qual passava o rio Coemassu, que é rebatizado pelos colonos portugueses inicialmente como Rio da Pedra da Nova (por causa do capitão), e mais tarde, no século XIX e XX, ele vira riacho das quintas.

Distante do centro da cidade, a região foi escolhida no início do século XX para abrigar os pacientes de doenças graves. Em 1912, por exemplo, o Hospital São João de Deus foi criado para receber pacientes com tuberculose. Ele ficava instalado as margens da linha do trem para garantir a chegada dos pacientes e dos médicos. Durante a década de 1930, ao lado do hospital levantou-se o Sanatório Getúlio Vargas, que recebeu volumosos recursos federais. Em 1943, o governo Aluízio Alves criou o Hospital Evandro Chagas, que inicialmente funcionava no Alecrim (no prédio da atual Escola João Tibúrcio), mas é logo transferido para as instalações do São João de Deus, substituindo esse último. Em 1986, por ordem do governador Radir Pereira, o hospital e o sanatório se tornam o Hospital Gizelda Trigueiro.

Outras construções que demonstram como as Quintas eram consideradas distantes da cidade é o Curtume J. Motta e Matadouro Público. Uma das primeiras construções na região é o curtume, que nasce com o nome de Santa Clara, na década de 1930. Sendo de propriedade dos médicos Dr. Aderbal de Figueiredo e o Dr. Januário Cicco, os dois vendem a empresa de fabricação de couro ao senhor João Francisco da Motta, em 1935. João Motta possuía, junto a seus irmãos, curtumes também em Campina Grande.

Outro prédio é o Matadouro Público. Desde o início do século XX, a matança de gado para abastecer a cidade era realizada na Rua da Misericórdia, na Cidade Alta, contudo em 1938 decidiu-se que era hora de mudar por causa da sujeira que os animais traziam ao centro. Em 1941 se levantaram as paredes do prédio nas Quintas, contudo com a guerra, ele foi utilizado como depósito de combustível, assumindo sua função original somente em 1947. Como explica Itamar de Souza: “É interessante registrar que, quando o gado vinha transportado por trem, era desembarcado na parda da rua Assis Brasil e, de lá, conduzido para o matadouro. Por várias vezes, aconteceu que o gado saía correndo pelas ruas, causando vexames aos moradores daquela área” (p.709)

Matadouro Público

Mas como podemos notar na história do matadouro. Ninguém esperava que a Segunda Grande Guerra chegasse até Natal. E as Quintas demonstram como toda a história da capital potiguar foi diretamente afetada pelo conflito. A região permaneceu rural exatamente até a década de 1940 quando migrantes chegam de todas as partes do estado buscando os dólares que a presença americana durante a II Guerra Mundial haviam trazido. Isso faz com que o crescimento das Quintas ocorra numa velocidade nunca vista em outro bairro natalense.

Matadouro Público Municipal

O segundo prédio público foi Posto Fiscal das Quintas, construído em 1943, que visava fiscalizar a arrecadação de impostos para o estado. A obra foi ordenada pelo interventor federal Antônio Fernandes Dantas, mas erguida pelo prefeito José Augusto Varela. Três anos depois, os moradores já se organizam na Sociedade Progressista das Quintas; em 1947, a região é elevada a distrito, e ganha policiamento, e no mesmo ano é inaugurada a Igreja de Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, em terreno doado pelo Sr. Alfredo Edeltrudes de Souza. Ela pertencia a paróquia do Alecrim e teve como seu primeiro celebrante o padre Eymard L’Eraistre Monteiro.

Em 1948, dois núcleos do projeto federal Fundação da Casa Popular, as Casas Potiguares, são inaugurados na região. Este foi o primeiro órgão federal que tinha como finalidade centralizar a política habitacional, criado durante o governo Vargas. Em 1949, a primeira escola pública é erguida, a Escola Professor Theódulo Câmara. É deste ano também a criação da Liga Norte-Riograndense contra o Câncer, pelos médicos Cr. Luís Antônio dos Santos Lima, Dra. Licy Teixeira e o Dr. João Tinoco Filho. Sua primeira sede é erguida em 1950, recebendo seus primeiros quatro pacientes. Após a morte de seu fundador, em 1961, o Hospital do Câncer passou a se chamar Hospital Dr. Luís Antônio. Em menos de uma década as Quintas deixam sua pacata vida rural para se tornar um pulsante centro urbano.

Nas décadas seguintes vemos uma continuação deste crescimento urbano. Isso aparece com a pavimentação que começa na década de 1950 e a necessidade de abertura de novas escolas. Em 1953, o Rotary Club cria sua escola no bairro, com terreno doado por um de seus membros, Olavo João Galvão. Em 1955, o governo estadual cria a Escola Estadual Profª. Maria Lídia. Em 1965, temos a criação da Escola Estadual Felizardo Moura, pelo governador Aluízio Alves. Em 1966 a Escola Municipal Ferreira Itajubá é inaugurada. Em 1977, é a vez da Escola Estadual Profª Maria Montezuma e em 1980, a Escola Municipal Berilo Wanderley. Em 1986, Escola Estadual Dr. Graciliano Lordão e em 1988, Escola Municipal Profª Angélica Moura. São muitas escolas sendo abertas, indicando um crescimento constante do bairro. Outro sinal do crescimento de um bairro é a sua elevação a paróquia. Em 1969, o arcebispo Dom Nivaldo Monte cria a paróquia de Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, separando-a da paróquia de São Sebastião, no Alecrim. Outra pista que os historiadores usam para determinar o crescimento urbano ocorre em 1960 quando o prefeito Djalma Maranhão substitui o antigo galpão municipal por um novo prédio para o Mercado Público.

Em 1966, o Matadouro público foi desativado, dado suas péssimas condições de higiene, e temos instalação do Frigorífico Industrial Norte-riograndense S.A (Frigonorte) na estrada Natal-Macaíba, pelo empresário Humberto Fronza, que recebeu financiamento público para a construção de seu empreendimento. É interessante ver como o poder público se coloca a favor de Fronza, já que o estado simplesmente fecha o matadouro, no lugar de melhorar suas condições, como também a persegue outros pequenos matadouros particulares. O Diário de Natal elenca 58 e os chama “matadouros clandestinos”. Contudo, em 1967, eclodiu o que Itamar de Souza chama de “uma crise financeira insuportável nesta empresa”. O governo municipal então para impedir o fechamento do frigorífico, o que acarretaria em problemas de abastecimento para a cidade, adquiriu o controle acionário da empresa junto ao Banco do Brasil seu principal credor. O Frigonorte então se transformou em Frigonat (Frigorífico Industrial de Natal S.A.) em 1968.

O crescimento intenso do bairro, foi também desordenado. Isso aparece no nascimento da Favela do Japão, entre as décadas de 1960 e 1970, na região mais baixa do bairro. As primeiras ações para reurbanizar e dar aqueles moradores melhores condições de vida só se iniciam na década de 1980, na administração do prefeito José Agripino Maia. Em 1981, são inauguradas a água canalizada, a posse dos terrenos aos moradores além da escadaria e lavanderia comunitária. A favela também ganha um novo nome escolhido pelos seus moradores: Novo Horizonte. Também faz parte da administração Maia, a criação da Urbana, a empresa natalense de limpeza pública, em 1982, que ocupou o antigo prédio do matadouro público.

Praça das Costureiras

As transformações mais recentes do bairro tem relação com a mobilidade urbana. O chamado Viaduto da Urbana e o corredor de ônibus da antiga avenida Bernardo Vieira, hoje Nevaldo Rocha. O viaduto foi uma obra da prefeita Wilma de Faria e entregue em 1998; já o corredor exclusivo para ônibus foi inaugurado em 2007, pelo prefeito Carlos Eduardo Alves.





Para Saber Mais:

Raquel Barros dos Santos. As migrações e o processo de expansão urbana em Natal: 1950-1970

Marcus Melo. Política de habitação e populismo: o caso da Fundação da Casa Popular.