Natal das Antigas

View Original

E já tinha carnaval?

Já ouviu falar do entrudo? Não? Mas e do mela-mela? Agora ficou mais familiar?

Desde 1604 temos registros do entrudo no Brasil, a documentação sobre o assunto com relatos dessa “bestialidade gostosa”, como diz Cascudo, em terras potiguares, remonta somente ao século XIX. A despeito de todas as tentativas de proibição, das sucessivas iniciativas de repressão e controle, a brincadeira se manteve durante o período colonial, estendeu-se por todo o Império e ainda pôde ser verificada nas primeiras décadas da República Aqui em Natal temos o registro dos foliões da cidade, ao som de cantos acompanhados a violão, se sujando com farinha de trigo, polvilho, urucum e tintas, além de laranjinhas, bolas de cera recheadas com perfume (em outras partes do Brasil eram conhecidas como limões-de-cheiro).

A fabricação caseira de todo o arsenal utilizado no entrudo funcionava ainda como uma possibilidade de renda extra para as famílias mais pobres, que vendiam seus produtos pelas ruas da cidade. (Débora Monteiro, O mais querido “fora da lei” )

Das janelas, as pessoas jogavam baldes e cuias d’água, nos foliões que pediam para se limpar nas calçadas. A festa acontecia a noite e acabava quando o Sol nascia, quando o carnaval passava a ser festejado comportadamente dentro dos salões ao som do piano e de recitativos, esse era o entrudo familiar (que para os historiadores demonstra uma divisão social dentro da festa). O folclorista descreve o folguedo assim:

Banho de gente séria, trambolhão em homem grave, farinha do reino clareando venta de negro angolês e bochechas de negras minas, rebolentas e sestrosas. O entrudo nivelava todas essas fomes, de movimento para as moças imóveis, trocando bilros nas almofadas com cartões de renda bonitas, para os rapazes vigiados pela fiscalização paterna, para os senhores, para as senhoras, todos e tudo. Era o momento de liberdade, regresso ao direito igualitário das saturnálias. (Luiz da Câmara Cascudo, História da Cidade do Natal)

A liberdade era tanta, inclusive, que em 1900, o chefe de polícia, Francisco de Sales Meira e Sá, proibiu a festa na cidade de forma mais intensa, argumentando que esses folguedos causavam brigas e violações dos bons costumes. Conta-se que em muitas vezes não era apenas água e perfume que eram lançados nos foliões piche, sêmen e urina eram problemas encontrados. Combatido pela polícia como um jogo selvagem, explica Débora Monteiro, que a palavra que antes representava todo o período, isto é, não era época de carnaval, mas sim época do entrudo, passou a se referir a apenas esse tipo de brincadeiras, enquanto se montava as sociedades carnavalescas, cujas primeiras no Brasil são de 1855.

Porém, o entrudo também passou a ser relacionado com a monarquia, e com o passado colonial; ser moderno, ser voltado para o futuro agora, estar na moda, não era mais participar dos entrudos, mas festejar em bailes carnavalescos. Explica Débora Monteiro que a burguesia republicana queria construir novos valores, copiando padrões franceses, e o entrudo não cabia mais nessa perspectiva, sendo substituído pelos bailes de máscaras