Um Consulado Fascista em Natal
Por Ítalo Douglas dos Santos Silva
A história do Consulado Bar, um dos casarões mais polêmicos do bairro da Ribeira tem início no século XX na Rua das Virgens (atual Rua Câmara Cascudo) n°184, no local Guglielmo Lettiere, um imigrante Italiano, construiu a sua casa em meados de 1910, uma das mais bonitas do bairro. Guglielmo tinha um senso para o comércio e vendeu de quase tudo, de ferro velho até gelo. Sendo a sua fábrica de gelo, fundada em 1930, a primeira do ramo na cidade. Ficando conhecido pelo seu empreendimento comercial de maior sucesso o chamado de Cantina Lettiere.
Em 1938, foi nomeado cônsul de seu país de origem no Rio Grande do Norte e sua casa passou a funcionar como consulado em Natal. A sua admiração pelo primeiro ministro da Itália e líder do Partido Nacional Fascista, Benito Mussolini, e por Adolf Hitler, chanceler alemão, fez com que o italiano construísse no cômodo superior de sua casa, no piso, com mosaicos uma grande suástica nazista. Enquanto isso o piso do salão inferior era composto por pequenos ladrilhos também com suásticas.
Guglielmo tinha um contato próximo com o folclorista e historiador potiguar Câmara Cascudo. O italiano e Cascudo se aproximaram por terem interesses em comum. Segundo o historiador e o atual proprietário do prédio, Leonardo Barata, em um artigo publicado no Substantivo Plural, ambos nutriam admiração pelo regime nazi-fascista, que crescia em poder durante a década de 1930 na Europa.
Sua amizade era tão forte que usando sua influência e importância, em uma das visitas que Cascudo fez a casa de Letierre, o potiguar recebeu uma medalha Rei Humberto, uma honraria das mais altas condecorações do regime fascista. Além disto Cascudo fez parte da Ação Integralista Brasileira, movimento de extrema direita simpatizante do fascismo, tendo sido chefe regional durante algum tempo. Contudo após os horrores cometidos pelo nazismo e fascismo vieram a público, Cascudo e muitos outros ligados a Ação Integralista ficaram desacreditados com os regimes e o abandonaram, diferente do Guglielmo.
A sua simpatia pelo regime nazista e a sua ligação com a Itália fascista, gerou desconfianças e após um período de investigações encabeçado pelos norte-americanos foi julgado pelo Tribunal de Segurança Nacional em 25 de junho de 1942 acusado de espionagem, e em dezembro do mesmo ano foi condenado a 14 anos de prisão. Contudo não teve que esperar mais do que uma década para ser solto, sua liberdade veio após o fim da guerra, já que o presidente Getúlio Vargas concedeu anistia aos presos políticos. Guglielmo veio a falecer 13 anos mais tarde, em 1958, em decorrência de problemas do coração e sua família optou por vender o seu imóvel à Bolsa de Valores de Natal no ano seguinte. Por mais inusitado que pareça durante a década de 1960 existia uma bolsa de valores em cada estado brasileiro e a do Rio Grande do Norte era sediada em Natal. Alguns anos mais tarde a Bolsa de Valores foi desativada e a propriedade foi comprada pelo comerciante Sinval Moreira Dias que estabeleceu no local uma oficina de placas.
Interessado pela história do prédio, o historiador Leonardo Barata comprou a propriedade, onde estava funcionando a oficina. Barata passou meses trabalhando no processo de recuperação do imóvel preservando a arquitetura original e, em 2011, o Consulado Bar foi inaugurado, mantendo as suásticas nazistas presente no ambiente, com o intuito de preservar a memória do local. Hoje a controversa história do imóvel compõe um dos ingredientes para os frequentadores do bar.
Para Saber Mais:
Sérgio Villar. A história do nazifascismo em Natal investigada.