Como nasceu o Carnaval?

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares

No senso comum, ou seja, no que a maior parte das pessoas no Brasil acreditam, o carnaval sempre existiu. Ele sempre esteve aí. Ele sempre fez parte da cultura e tradição brasileiras. Nossa festa mais popular, que para o país, obviamente, tem uma história tão antiga quanto o do Brasil. Isso é um mito. O Carnaval, como o o conhecemos hoje, tem, no máximo, cem anos. Aí, se você leu nossa postagem da semana passada, pode dizer: mas o entrudo era carnaval. Não é o que as fontes do início do século XX afirmavam. Itamar de Souza cita, no seu livro Nova História de Natal, comentários do jornal A República e do Diário de Natal, de 1898, que diziam:

“Isto de carnaval em nossa terra é uma hipótese muito duvidosa, porém temos ainda o entrudo” (A República, 20/02/1898);

e

“Quase que não houve carnaval; os rapazes preferiram formar grupos de entrudantes, a goma e outros ingredientes foram demais. Apenas dois grupos de máscara mereceram atenção: o da Moda Nova e outro grupo representava a bicharada da ‘República’.” (Diário de Natal, 24/02/1898).

Fica claro, portanto, que na aurora do século XX se diferenciava claramente o entrudo tradicional da nova moda que estava chegando ao Brasil, vinda da Europa, dos salões italianos e franceses, do carnaval.

“Raros e desenxabidos foliões percorrem as ruas dos dois bairros, divertindo-se e divertindo o público com os invariáveis ditos em falsetes. Uma meia dúzia, se tanto, de máscaras, não fazia chorar a gente de pena pelo espírito que exibia sob o disfarce, em regra, sujo, de uma das fatiotas que faziam competência aos andrajos da população retirante. O entrudo, ao contrário, correu animadíssimo” (A República, 02/1899)

A diferença era óbvia. E, apesar da polícia e do Estado reforçarem continuamente a proibição do entrudo, este que atraía a maior parte da população até pelo menos a institucionalização da República. Por que, apesar da Proclamação ter acontecido a 15 de novembro de 1889, ela aconteceu de cima para baixo e demorou para o povo absorver os ideias republicanos, dos quais um deles era a ideia de higienização dos ambiente urbano, o qual envolveu a demolição de partes das cidades com a desculpa de melhorar a circulação do ar (essa doutrina ficou conhecida como higienismo), mas que de fato apagava a memória colonial, destruindo prédios antigos; e também novas formas de socialização, com o abandono de práticas e festejos que remontavam a memória da colônia. O carnaval era uma dessas novas formas de socialização.

O carnaval comemorado agora com máscaras, confete e serpentinas, em que se dançava valsa e polca (cujo primeiro aconteceu no Brasil, no Rio de Janeiro, em 1835, no Café Neuville, como noticiou o Jornal do Commercio em 27/02/1835) era a versão civilizada do entrudo em que farinha, água perfumada e, às vezes, urina e sêmen eram jogadas nas pessoas durante a celebração. Esta versão era a aceitável para o novo ambiente republicano. Afinal, lembrem do lema da república brasileira: ordem e progresso! Isso era tudo o que o entrudo colonial não representava. A importação do carnaval, portanto, foi estimulada para encarnar o novo espírito da modernidade republicana. Não havia mais espaço para aquelas velhas medievalidades.