Alecrim: O Cemitério (Parte 2 - Lugar de Memória)
Por Prof. Esp. Bartolomeu Silva Carneiro
A expansão urbana e demográfica de Natal no Século XX para além da Santa Cruz da Bica (um dos marcos limítrofes da cidade no século anterior) trouxe o Cemitério do Alecrim para o coração da cidade e da sua identidade urbana, tornando o espaço não apenas consolidado em sua função secular, como também condicionando-o como lugar de referência na geografia e na memória da cidade.
A expansão urbana de Natal e de sua população exigiu, inclusive, a ampliação e reformas do cemitério ao custo de desapropriações no seu entorno e de mudanças estruturais nas configurações de seus espaços e acessos. Conforme edição do jornal A Ordem de 07 de junho de 1936, houve um notável investimento no local nesse ano, sob a administração do prefeito Gentil Ferreira. A reforma incluiu a reconstrução da capela que, com a expansão do espaço para enterramentos, passou a ter uma referência mais central no campo santo, enquanto isso, a condição de “área nobre do cemitério” atribuída ao entorno dela já havia sido substituída pela suntuosidade valorativa de seu portão de entrada frontal e pela pompa arquitetônica e artística dos túmulos que enaltece até hoje a via interna que parte desse acesso principal.
No século XX, sabe-se, a necrópole conviveu com uma vastidão de eventos históricos com relevantes impactos sociais na capital potiguar; alguns marcados por repercussões nacionais ou mesmo globais. Os registros, símbolos e menções em efígies, esculturas, monumentos e epitáfios sobre situações históricas fazem do Cemitério do Alecrim não apenas personagem, mas extensão museológica da história e da diversidade humana atuante na cidade em diferentes conjunturas do século passado.
Nesse sentido, é possível explorar expressões e referências locais a diversos eventos, personagens e aspectos constituintes ou relacionados à cidade em diferentes conjunturas daquele século, tais quais: o protagonismo local na Intentona Comunista de 1935 e na II Guerra Mundial; as expressões da diversidade artística e religiosa local; os aspectos relacionados às atividades da maçonaria, do movimento republicano, da comunidade judaica local, dos destaques econômicos e da atuação sindical na cidade; as referências à arquitetura, à educação, à cultura, à literatura, à saúde, à justiça, à história e a tantas outras dimensões estruturantes da sociedade natalense contemporânea. Dentre os personagens importantes enterrados no cemitério destacamos: Luís Câmara Cascudo, Djalma Maranhão, Pedro Velho e Albuquerque e Maranhão, Manoel Segundo Wanderley, Cel. Urbano Joaquim de Loyolla Barata, Padre João Maria, Cel. Joaquim Etelvino Bezerra da Cunha, Izabel Urbana e Albuquerque Fondim.
Tal heterogeneidade referencial caracteriza o Cemitério do Alecrim não apenas como um espaço específico da diversidade historiográfica local, mas, sobretudo, como uma vitrine pluralista da memória urbana e do patrimônio imaterial natalense. Em seu interior ainda é possível constatar a prática espontânea dessa natureza patrimonial, como os rituais de devoção no túmulo do padre João Maria e a tradição de celebrações públicas defronte a pequena capela em datas específicas do ano, tais quais Dia das Mães, Dia dos Pais e Dia de Finados.
Atualmente, o Cemitério do Alecrim é oficialmente reconhecido como patrimônio histórico de Natal. O tombamento ocorrido no dia 02 de novembro de 2011, se deu através do decreto 9.541/2011, assinado pela então prefeita Micarla de Souza. O trajeto temporal do seu surgimento na Natal oitocentista até o seu reconhecimento como patrimônio histórico do município no Século XXI foi permeado por considerável variedade de intercorrências, significações e referências relacionadas a esse espaço público nas diferentes conjunturas que moldaram o cenário urbano e social da capital potiguar durante esse período histórico.
Independente das percepções e significações subjetivas atribuídas a esse espaço patrimonial de Natal, sua relevância memorial e identitária é reconhecidamente indissociável do cenário e da história recente da urbe. De localidade periférica a referência central na cidade, de ideia profana a espaço sagrado na mentalidade religiosa local, o Cemitério do Alecrim moldou-se às permanências e transformações da cidade. Absorveu elementos das culturas, das religiosidades, das relações de poder e dos perfis humanos da capital potiguar em diferentes épocas e condições. Com a expansão da cidade, precisou igualmente expandir seu espaço e, tal qual a cidade, não tem mais espaço para crescer na atualidade. Porém, sua dimensão material atrelada às memórias afetivas e representações sociais de tantas gerações, de tantos cenários e de tantos atores históricos, não lhe permite ser concebido apenas como local de repouso dos mortos, mas, sobretudo, como uma memória viva da cidade do Natal (RN).
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