Natal das Antigas

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Alecrim: Os Bondes Aceleram o Tempo



Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares

As cidades brasileiras, no início do século XX, estavam se tornando modernas. Elas estavam recebendo energia elétrica, novos projetos urbanísticos, e crescimento populacional. E uma das grandes transformações que afetaram diretamente o dia-a-dia de quem morava em Natal foi a chegada dos bondes.

Os primeiros bondes chegaram a capital potiguar em 1908, ainda puxados por burros, como um projeto do governador Alberto Maranhão e do coronel Romualdo Galvão, que se tornou o primeiro presidente da companhia de bondes da cidade. Ela inicialmente atendia somente os bairros da Ribeira e Cidade Alta, ajudando sobretudo a subir a ladeira que separava os dois bairros. Porém, logo, os trilhos dos bondinhos foram expandidos para a Cidade Nova (Tirol e Petrópolis), passando pela Av. Hermes da Fonseca até o sítio Solidão (lar da família Maranhão).

“É interessante notar que, apesar de possuir um arruamento bem definido e lotes grandes – alguns com frente máxima chegando aos 30 metros de largura –, destinados às classes mais abastadas, a Cidade Nova nessa época ainda não havia sido efetivamente ocupada. Entretanto, já contava com a linha do bonde, enquanto que outras áreas mais densamente ocupadas – porém que ainda formalmente não compunham a considerada zona urbana da cidade, como o Alecrim –, não desfrutavam de um benefício como esse”. (FERREIRA, A. et all).

Em 1911, as linhas ganham uma nova expansão, além da eletrificação. O bonde elétrico é o que chega ao Alecrim. Eram oito “elétricos” correndo pela cidade e acelerando o ritmo da cidade. Isso é uma coisa que não nos damos conta com facilidade, mas a mudança da velocidade do bonde elétrico para a velocidade da velocidade dos bondes puxados por animais mudou o tempo das pessoas. Agora elas não tinham mas a paciência de esperar, a velocidade do bonde acelerou a vida de todos.

Bonde em Petrópolis em 1912.

A partir de 1912, a empresa de bondes é vendida para “um grupo de capitalistas paulista” e com isso uma nova expansão do serviço se dá. Agora até a Praia do Meio (Ladeira do Sol). As tramways se tornaram vitais para a mobilidade urbana, especialmente para aqueles que viviam nas áreas suburbanas da cidade se conectarem com o centro. Diz Ângela Ferreira e outros autores, que com essa facilidade no deslocamento, ficou mais interessante para as pessoas habitarem regiões mais distantes ao centro, afetando diretamente a expansão do território da capital.

As críticas ao serviço aparecem nos jornais da época. Uma comum é que não havia público pagante suficiente para manter duas linhas em Cidade Nova, enquanto no Alecrim uma única linha deixava os moradores do bairro muitas vezes sem transporte porque a chuva colocara areia nos trilhos ou tinha feito o riacho do Baldo transbordar.

Bonde na Ribeira em 1940.

Gumercindo Saraiva, na obra Lendas do Brasil , lembra que no Alecrim, um desses veículos assumiu a função de transportar os caixões dos cortejos fúnebres em direção ao Cemitério do Alecrim; era um serviço que atendia as pessoas das famílias mais ricas na capital (por poderem pagar pelo serviço), ilustrando assim, nas primeiras décadas do Século XX, o perfil de desigualdades econômicas e sociais que delineou a paisagem urbana de Natal. Aspecto social esse, inclusive, refletido nas assimetrias, contrastes e desproporções dos túmulos que se erguiam destacada ou discretamente nos espaços do seu cemitério. O referido bonde condutor de cortejos era conhecido pela alcunha de rapa coco e mesmo tendo seus serviços estendidos, anos depois, às pessoas de famílias de menor poder aquisitivo, teve um fim tão dramático quanto à sua função. Segundo Saraiva, foi incendiado durante uma revolta popular motivada pelo precário atendimento prestado à sociedade.

Extensão total dos bondes até 1930.

Os bondes permaneceram ativos até 1921, quando o governo rompeu o contrato com a empresa Tração, Força e Luz, que gerenciava o sistema. Os bondes pararam então de correr pelos trilhos por dois anos, retornando em 1923, por atuação do intendente (o prefeito da cidade) Antônio de Souza, que criou a Repartição de Serviços Urbanos de Natal, uma empresa pública, que cuidaria tanto do fornecimento de luz elétrica quanto do transporte público da cidade. O retorno do serviço, símbolo de modernidade, foi festejado nos jornais: “Desejaria que os dias fossem longos e as noites [...] intermináveis, para gozá-los nesses veículos”, “uma cidade sem bonde é uma cidade sem vida, porque o bonde é a alma das cidades”, “o bonde acolhe a todos sem distinção de classe, de cor, ou de política”, “uma cidade não pode existir sem o seu bonde” (JORNAL A REPÚBLICA, 1923).

Bonde no Alecrim em 1940.

Em 1926, os trilhos se estendem até o novo bairro operário de Lagoa Seca (nas proximidades do atual Shopping Midway Mall) e planejava-se uma linha que conecta-se o Alecrim ao Tirol, mas, quando ela passa a estatal passa ao controle da americana, American & Foreign Power Company, que monopolizava a distribuição de energia elétrica em todas as capitais nordestinas, os planos de ampliação não se materializam. Na verdade, acontece no início da década de 1930, uma redução no número de linhas e carros, e a crítica nos jornais é que os bondes viviam apinhados de gente. A American & Foreign, através de sua subsidiária, Força e Luz do Nordeste, logo começou a oferecer um novo transporte público, mais confortável, mais moderno, o auto-omnibus, que conviveu com os bondes até 1940, quando estes começaram a ser gradativamente aposentados.



Para saber mais:

Ângela Ferreira, Gabriel Medeiros e George Dantas, A cidade sobre trilhos: o bonde e as transformações urbanas de Natal-Brasil (1908-1929).

Juciara Conceição de Freitas. Transporte coletivo em Natal/RN: uma abordagem geográfica.