O Brasil foi descoberto no Rio Grande?
Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares
Lenine Pinto, advogado, membro da Academia Norte-Riograndese de Letras, foi o autor que trouxe, em 1998, o tema do descobrimento no Rio Grande a pauta. Ele escreveu o livro Reinvenção do Descobrimento em que apresentava a tese do descobrimento português das terras brasileiras terem acontecido no litoral potiguar, mas precisamente na Praia do Marco, em São Miguel do Gostoso, e não em Porto Seguro, na Bahia.
O livro, seguramente escrito por um grande erudito, se baseia em cinco argumentos principais:
1) As correntes marítimas do Oceano Atlântico.
As correntes marítimas são rios de água salgada, que tem temperatura diferente e se movem em velocidade distintas pelos oceanos na Terra. Elas acontecem por causa do movimento de rotação do planeta, mas também por influência dos ventos e da diferença de densidade entre a água dos oceanos (por causa da quantidade diferente de sal que cada região possui).
No Atlântico Sul temos basicamente seis grandes correntes oceânicas: três frias, a Corrente de Beguela (que sobe pela costa da África, vindo da Antártica); a Corrente das Malvinas (que também sobe do Oceano Antártico pelo litoral da América do Sul) e a Corrente do Atlântico Sul, que atravessa o Oceano Atlântico, indo da América do Sul ao Cabo da Boa Esperança, na África; e três quentes, a Corrente Equatorial Sul, que atravessa o Oceano Atlântico, partindo do litoral da África e se dividindo na Ponta do Calcanhar, litoral do Rio Grande do Norte em Corrente Brasileira e das Guianas. A Corrente Brasileira desce pelo litoral da América do Sul, em direção norte-sul, chocando-se com a Corrente das Malvinas na altura da foz do Rio da Prata. E a Corrente das Guianas segue para norte, desaguando nas ilhas do Caribe.
O argumento de Lenine Pinto baseia-se na prática do Arrodeio, isto é, que para conseguir navegar em torno da África, contra a Corrente de Benguela, era mais fácil para os navegadores portugueses aproveitarem a Corrente Equatorial Sul, depois seguir pela Corrente Brasileira e depois atravessar novamente o Atlântico através da Corrente Atlântica Sul. Ou seja, os navegadores portugueses, vindo pela corrente, teriam que ter chegado primeiro a costa potiguar, antes de dar com a Bahia. Talvez você pense aqui: mas os portugueses daquele tempo não sabiam nadas das correntes marítimas. Bem, você está enganado! Os portugueses sabiam sim sobre estas correntes e as utilizavam. Eles, de fato, se afastavam da costa africana para escapar do que eles chamavam de “calmaria” que atrasava com frequência as naus que tentavam fazer a navegação de cabotagem (seguindo a costa). Apesar da distância ser maior, a viagem durava menos usando estas rotas e é seguindo esta rota que Cabral vem dar com o Brasil. Isso não é, para nenhum historiador, uma dúvida. Porém, a esquadra teria parado primeiro em Touros, após a travessia atlântica, para reabastecer de água limpa, ou teria continuado navegando até Porto Seguro? Lenine Pinto sustenta que eles aportaram em Touros. E só depois de reabastecer as naus com os víveres necessários teriam partido, sobretudo porque, após um mês de viagem, atravessando o oceano, eles tinham que procurar água antes de continuar
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2) Os Marcos de Touros e de Cananeia.
Outro elemento que participa da argumentação de Lenine Pinto, que escreve como quem está defendendo um caso em um tribunal, são as presenças dos marcos nas praias de Touros e de Cananeia. Ele explica no livro que a implantação de marcos, chamados padrões, era costume português desde os primeiros momentos dos descobrimentos. Vasco da Gama os tinha implantado, Gil Eanes também os tinha, Bartolomeu Dias também. Pedro Álvares Cabral não se exime de tal tarefa e também afirma que colocou os marcos de posse. Pinto cita a carta cabralina: “em obediência à instrução de Vossa Alteza, navegamos no Ocidente e tomemos posse, com padrão, da terra de Vossa Alteza que os antigos chamavam de Brandão ou Brasil”. Tomar posse com padrão é instalar o marco no território que pertence ao rei. Então, ao contrário do que a historiografia tradicional afirma, que Américo Vespúcio haveria instalado os marcos em 1501, seria Cabral quem os traria já em sua bagagem. Como o marco não fora colocado em Porto Seguro, mas em Touros, a conclusão lógica é que nas nossas paragens ele haveria aportado primeiro. O que não impede um segundo acostamento nas praias baianas.
3) As Léguas Percorridas por Cabral
A partir do argumento anterior e baseando-se em informações dadas pelos historiadores Jaime Cortesão e Capistrano de Abreu que afirmam que o capitão-mor Pedro Álvares Cabral teria navegado por volta de 500 léguas (ou 2 mil milhas náuticas) do primeiro porto que fez nas terras brasileiras, aonde ele teria fixado o primeiro marco, uma “cruz de pedra”; sendo o outro fixado em Cananeia. Ele cita Cortesão para reforçar sua tese. “A 2 de maio Pedr’Alvares Cabral levantou âncora e foi beirando a costa, espaço de duas mil milhas, isto é, quinhentas léguas, além de Porto Seguro, sem chegar a ver-lhe fim”. Apesar dele reconhecer que essas medidas de distância ainda eram muito dispares para se chegar a um número acertado, Pinto acredita que eles só poderiam ter desembarcado nas praias de Touros. Segundo Lenine Pinto, calculando quanto seriam 500 léguas (dá 2777km), se seu desembarque tivesse se dado em Porto Seguro, após essa distância, o segundo marco deveria ter sido colocado já na Argentina, na cidade de Comodoro Rivadavia, em plena Patagônia. Contudo, se contarmos 500 léguas a partir de Cananeia para o norte, chegamos as praias de Touros.
4) A Aguada.
Outro argumento em que se baseia Lenine Pinto é a aparição em diversos mapas quinhetistas a descrição de uma Aguada na Ponta do Calcanhar. Essa aguada seria um local em que as naus poderiam abastecer durante as viagens, podendo conseguir lenha e água de qualidade para beber. Aguada também costuma ser conhecida como Porto Seguro. A descrição de Caminha, portanto, de que a descoberta do Brasil acontecera em Porto Seguro, na verdade, deveria ser lida como que acontecera em um porto seguro. Os portugueses não teriam batizado a terra que chegaram como Porto Seguro, como conta nossa historiografia clássica, até porque, relembra Lenine Pinto, o hábito era batizar os locais com o nome do santo do dia (Sta. Maria Egípciaca, São Sotero, São Caio, São Lucas, São Leônidas, São Criótelo, para dia 22; ou São Jorge, São Adalberto, São Gerardo, para dia 23; se levássemos em conta o dia náutico).
Este argumento ganha força quando sabemos que era importante para os navios, que tinham passado um mês em alto-mar, antes de continuar sua viagem, buscarem imediatamente uma fonte de água doce. Quando as naus portuguesas atravessam o Atlântico, com certeza, a primeira preocupação do capitão-mor era a busca de água, e como as correntes trazem os navios para a costa norte-riograndense o mais provável é que, antes de avançar para o sul, passando pela Bahia, eles tivessem parado por aqui para abastecer. Mapas como o Terra Brasilis, de Lopo Homem, de 1519; Orbis Terrae Compediosa Descriptio, de 1596; e o Americae Sive Novi Orbi Nova Descriptio, de 1598, por exemplo, registram as aguadas no litoral norte do Rio Grande, porém sempre depois do Cabo de São Roque. O que inviabilizaria a teoria de Lenine Pinto. Mas no mapa de Albernaz, de 1640, a aguada aparece antes do Cabo de São Roque. Ele aparece logo depois do rio Ceará-Mirim, protegido pelo que Albernaz chama de barreiras vermelhas.
5) O Cabo de São Jorge.
Outro argumento usado por Lenine Pinto é que no mapa mais antigo do Brasil, o Planisfério de Cantino, de 1502, o Cabo de São Roque aparece com o nome de São Jorge, portanto, ele deveria ter sido descoberto em 23 de abril, para ser nomeado assim pelos portugueses.
Explica o autor: “O dia náutico é uma das melhores referências sobre o ponto por onde o Brasil foi descoberto, embora o ignorem os hermeneutas portugueses que se ocuparam em deslindar o nosso Descobrimento e influenciaram, com seu sectarismo, a doutrina da nossa própria formação histórica” (PINTO, pág. 152). O dia náutico era marcado a partir do meio dia, isto é, enquanto hoje nós consideramos que o dia muda de 22 de abril para 23 de abril a meia-noite, os navegantes portugueses utilizando o dia náutico faziam esta mudança ao meio dia. E como a carta de Caminha diz que eles aportaram ao fim da tarde, para ser mais preciso, “a horas de véspera”, já era dia 23, dia de São Jorge.
Segundo Lenine Pinto o mapa de Cantino declara que neste lugar, o Cabo de São Jorge, e nesta data, o dia 23 de abril, que Pedro Álvares Cabral tomou posse do território brasileiro. Ele ainda reforça sendo esta a única explicação plausível para o nome do cabo, no mapa, aparecer assim, pois as expedições conhecidas, que se realizaram entre 1500 e 1502 (quando o mapa foi desenhado) teriam acontecido entre outubro e novembro, muito distante da data de comemoração de São Jorge. Porém, algo que escapa da argumentação de Pinto, o santo guerreiro também é comemorado em 6 de maio e 23 de novembro.
E aí? O que vocês acham? Será que o Lenine Pinto está com a razão? Será que devemos rever nossa certidão de nascimento?
Para Saber Mais:
Porto Seguro: Verdade ou mentira. Entrevista concedida a Regina Ramos.