A Extinção dos Índios

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares

Cascudo, Câmara Cascudo, o mais importante historiador norte-riograndense diz em seu livro História da Cidade do Natal, no início de um parágrafo:

"Perdemos, em trezentos anos, a população aborígene. Naturalmente, a que se dissipou mais depressa foi a próxima aos grandes núcleos da população. Natal matou seus indígenas rapidamente. (…) O indígena que ficou aqui era servo, humilde, sem direitos, assombrado de ainda estar vivo".

O mestre Cascudo continua:

“Na primeira década do século XIX os mapas paroquiais acusavam ainda sua presença, numa alta miscigenação, apenas apontado como indígena pelo empapuçamento da pálpebra, o olho oblíquo mongol, o timbre lento, triste, levemente cantado, prolongando as vogais, o descanso indígena indígena que é resignação e abatimento”

Ele ainda afirma em um momento que aqui em Natal, não havia aldeamentos indígenas, somente no interior do Estado, somente para se contradizer logo adiante quando a documentação paroquial afirma que haviam aldeias indígenas em Igapó, no vale do Ceará-Mirim e em Extremoz. Mesmo assim ele conclui de forma chocante: "Praticamente o indígena morrera".

Diz Cascudo:

“Quando as aldeias se tornaram vilas [aldeias que primeiramente ele diz não existirem], por ordem do Marquês de Pombal, o indígena foi desaparecendo velozmente, mastigado pela cachaça, expulso das terras, esmolando, prostituindo-se, morrendo como moscas”.

Porém o próprio Cascudo nos dá as informações para demonstrar que ele estava errado. Durante o texto ele nos dá alguns dados: em 1808 haviam em Natal 169 índios domésticos (um eufemismo para escravos) e contava-se uma população de 5919 índios aldeados. E apesar dele estar certo sobre o massacre realizado pela administração portuguesa contra uma população que lhes foi o tempo todo hostil, ele anuncia que no início do século XIX os brancos somavam espetaculares 1956 homens, os negros 1127 almas, e os mulatos 2836 pessoas. Então, numa população em que haviam 5919 índios, 2836 mulatos, 1956 homens brancos e 1127 negros, por que se reafirmar que era a população indígena que não existia mais?
A pergunta aqui não é por que Cascudo se enganou, eu duvido que ele tenha se enganado em analisar os dados, mas sim qual o objetivo de criar uma sociedade potiguar cuja memória indígena esteja apagada? Um outro trecho revela seu objetivo. Diz ele:

“Não é possível afirmar a influência étnica indígena e decisiva no povo norte-riograndense. (…) A influência é mais folclórica, etnográfica, que étnica”.

Ou seja, interessado em construir uma matriz branca para a população norte-riograndense, um projeto de pureza racial para o Rio Grande do Norte, era preciso apagar a existência indígena, mesmo que a documentação, palavra tão cara ao historiador, informasse que eles ainda estavam presentes. Contudo, foi esse projeto que venceu. Ele que passou a ser repetido nas salas de aula, afinal, quem ia se posicionar contra o grande Câmara Cascudo? Nos tornamos o único Estado no Brasil sem nenhum índio! Nenhum! Zero! Seríamos com essa visão sobre o passado, o Estado mais branco do país (já que na continuação desse argumento também há a subnotificação da presença negra também, mas isso é tema para outro post).

Para Saber Mais:

Hélder Alexandre Macedo. Ocidentalização, territórios e populações indígenas no sertão da Capitania do Rio Grande.

Julie Cavignac. A etnicidade encoberta: ‘índios’ e ‘negros’ no Rio Grande do Norte.

Jussara Galhardo Guerra. Construindo outra história: do silêncio às múltiplas vozes indígenas no Rio Grande do Norte.